sábado, 22 de janeiro de 2011

Homilia dia 23/01/2011 "A luz do Evangelho num mundo de escuridão"



III Domingo do Tempo Comum – Ano A
Is 8,23b-9,3;   Sl 27(26); 1Cor 1,10-13.17; Mt 4,12-23

Toda manhã o sol banha e aquece com sua luz a face da terra. A luz do sol clareia, ilumina e aquece. Mas o que aconteceria se o sol não nascesse? É bem provável que todos nós, por alguma razão, e em determinada circunstância, já tenhamos caminhado por uma estrada sem a claridade do sol ou da lanterna. Provavelmente aí experimentamos a insegurança e o medo, porque não sabíamos o que poderia haver sob os nossos pés, nem se o chão em que pisávamos era firme e livre de perigos. Precisamos da luz! E quanto ela nos é necessária! Não só a luz física, mas também a luz espiritual, a luz divina que ilumina os corações.

As leituras bíblicas deste domingo nos convidam a meditar sobre os fundamentos do cotidiano da vida cristã. Elas visam atualizar em nós a graça de Deus que, um dia (desde o batismo), foi colocada em nossos corações, tornando-nos “filhos da luz” (Ef 5,8). Neste terceiro Domingo do ano litúrgico, do assim chamado Tempo Comum, a liturgia coloca diante de nossos olhos a luz verdadeira que ilumina o caminho da vida cristã, e faz ressoar aos nossos ouvidos a Palavra da luz que tem a força de nos arrancar do poder das trevas (o pecado e a morte). É a luz de Jesus Cristo e de seu Evangelho, que inundou de vez a história humana, as estruturas sociais e os corações dos que O acolheram desde o batismo: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). E, aos que o seguiam sedentos da luz e da vida que brotavam de suas palavras, Jesus asseverou: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14).

A espera pela vinda da “luz do mundo”, Jesus Cristo, durou séculos, e foi preparada por sinais dados pelo próprio Deus. É à luz das manifestações da benevolência divina, que não deixa os filhos adotivos nas trevas, que compreendemos a profecia de Isaías. A primeira leitura (Is 8,23-9,3), datada do século VIII a.C., proclama: “Uma luz brilha nas trevas”. As tribos galilaicas de Zebulon e Neftali, em 732 a.C., viveram a desoladora e triste experiência da deportação para a Assíria. É neste contexto de trevas, de humilhação e desespero, que o povo espera uma “nova luz”, ou seja, o nascimento de um filho régio, chamado Emannuel (“Deus conosco”). Quando Jesus se muda de Nazaré para Cafarnaum, realiza-se a promessa definitiva enunciada pelo profeta Isaías: “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz” (Mt 4,16).

A grande luz que Jesus trouxe ao mundo, conforme o evangelho deste domingo, pode ser comparada a três fachos iluminadores: a luz da pregação, a luz do seguimento, a luz da cura integral, as quais inauguram um novo tempo, o tempo da chegada do reinado de Deus, ainda que de modo provisório, pois este será pleno somente na parusia. Vejamos cada um dos fachos de luz trazidos por Cristo:

a) A luz da pregação – Conforme descreve o evangelista Mateus, logo depois de João Batista ter sido preso, Jesus voltou para a Galiléia e foi morar em Cafarnaum. Iniciou a missão pública pregando a conversão. Não fez um convite, mas de uma ordem, pois o verbo “convertei-vos” está no imperativo do tempo presente. A conversão é uma ordem para agora, para já, e se estende a cada um de nós para o momento presente. A razão da urgência da ordem da conversão é a vinda do Reino de Deus. A salvação única e definitiva, trazida por Cristo e atualizada continuamente pelo seu Espírito, precisa ser vivida agora. A luz de Deus não combina com as trevas do mundo. Deus e pecado não combinam. Converter-se é mudar as idéias, as atitudes, os comportamentos, os sentimentos, os compromissos e projetos que não se harmonizam com o querer de Deus. A conversão é uma mudança que afeta todo o nosso ser. Não existe conversão pela metade, além disso, ninguém se converte só intencionalmente. O que Jesus nos pede, em relação à conversão, é sair do poder das trevas que nos distanciam de Deus. Converter-se é passar do reino da preguiça, indolência e indiferença, para o reino da solidariedade e da partilha; passar do reino da concorrência, vantagem e omissão, para o reino da caridade, parceria e inclusão.

b) A luz do seguimento – Jesus não só prega a necessidade da conversão, mas também chama pessoas para segui-lo. O evangelho de hoje descreve o chamamento de Jesus a duas duplas de irmãos: Pedro e André, Tiago e João. Seguir Jesus é continuar a sua missão, o que exige coragem para mudar de vida e para atrair outros seguidores: “Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4,19). Com este chamado a segui-lO, Jesus dá origem a uma nova família, à comunidade chamada Igreja, gérmen de uma nova sociedade, não mais regida pelos laços de parentesco sangüíneo ou carnal, nem por interesses pessoais ou culturais, mas centralizada na pessoa de Jesus Cristo e voltada para os interesses de Deus.

c) A luz da cura integral – Jesus prega e chama seguidores, mas não só isso. Ele também age, interferindo salvíficamente na vida das pessoas. Mostram, em modo concreto, os efeitos da luz da sua Pessoa e da sua Palavra, transformando a vida destas pessoas, através das curas físicas e espirituais. A atuação de Jesus é contextualizada, ou seja, num mundo dominado pelo império romano, sobre o qual sobrepõe a soberania do reinado de Deus. Desse modo, ao curar integralmente os que O acolhem, faz brilhar a sua luz no meio das trevas da ignorância, da opressão e da humilhação: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,14).

O apóstolo Paulo, bem no início da Igreja, percebeu não só racionalmente, mas por experiência própria, a força iluminadora de Cristo, que mudou radicalmente a sua vida. Em base a esta experiência, exorta os cristãos de Corinto à mútua estima, à concórdia (“no pensar e no falar”), à unidade, a fim de superar as discórdias internas da comunidade: “Eu vos exorto, pelo nome do Senhor nosso, Jesus Cristo, a que sejais todos concordes uns com os outros, e não admitais divisões entre vós. Pelo contrário, sede bem unidos e concordes no pensar e no falar” (1Cor 1,10). Para o apóstolo Paulo, o evangelho não é apenas um livro de lembranças do passado, mas uma “boa notícia”, uma “palavra viva” que tem a força de converter os corações, e que, por isso, não estimula a divisão, mas une a todos em Cristo, em seu Nome, no qual os cristãos foram batizados e passaram a constituir uma nova família regida pela lei do Espírito, o Espírito do Cristo Ressuscitado. A força do Evangelho não está nos belos discursos, mas na cruz de “nosso Senhor”. É por isso que Paulo não se faz valer dos recursos da oratória, que podia bem manusear, justamente para não apagar ou esconder a força da cruz: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar a boa-nova da salvação sem me valer dos recursos da oratória, para não privar a cruz de Cristo da sua força própria” (1Cor 1,17).  

O evangelho é luz para os que estão nas trevas. E, de algum modo, todo coração humano é sedento da luz de Deus, sem a qual trilhará por caminhos equivocados. É hora de se perguntar: Quem realmente ilumina a minha vida? Onde está o farol da minha existência? Procuro me banhar todos os dias na luz verdadeira que ilumina e aquece? Os atuais pregadores do evangelho fazem valer a força redentora da cruz do Senhor ou limitam-se a apregoar suas próprias idéias em benefício próprio? Fazem valer a força da conversão que brota do evangelho ou simplesmente a omitem? O que anunciamos como luz de Deus tem o efeito de aliviar o sofrimento do povo oprimido e libertá-lo das amarras das trevas? É importante recordar que a pregação cristã não é propaganda em favor de si mesmo ou de outrem, mas anúncio de uma mensagem recebida e que deverá, por força, ser vivida para receber credibilidade. Quando a nossa pregação for testemunho de uma luz recebida e vivida, então poderemos confessar, junto com o salmista: “O Senhor é minha luz e minha salvação” (Sl 27 [26]).

Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 22 de janeiro de 2011

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