XXXI Domingo do Tempo Comum - Ano C
Leituras: Sb 11,22-12,2; Sl 145; 2Ts 1,11-2,2; Lc 19,1-10
Há alguns anos circulava uma canção religiosa, que dizia: “Meu Deus, como és grande! Imenso é teu amor!” Basta olhar a imensidão do céu e do mar, a imponência das montanhas, a profundidade dos vales, a fertilidade das planícies, a beleza das flores e o sorriso das crianças, para perceber o poder do Deus Criador. Ao contemplar essas obras grandiosas, o salmista exclama: “Iahweh, nosso Deus, quão poderoso é teu nome em toda a terra. [...] Quando vejo o céu, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste o que é o homem para dele te lembrares, e um filho de Adão, para que venhas visitá-lo?” (Sl 8,2.4).
Sim, Deus é grande! Diante da grandeza de Deus, nós nos sentimos tão pequenos e insignificantes, quais grãos de areia!... Entretanto, em sua onipotência, Deus criou tudo por amor. Nada lhe é inútil ou desprezível, quer percebam ou não os nossos olhos, como diz a primeira leitura: “Amas tudo o que existe e a nada desprezas do que fizeste; porque se odiasses alguma coisa, não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa existir, se não a tivesses querido? Ou como pode ser mantida, se por ti não fosse chamada? A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida” (Sb 11,24-26).
Deus, em seu poder e em seu projeto de amor salvador, não só criou, mas também cuida e preserva o que fez, colocando leis internas que regem a vida do universo cósmico e do universo humano. Deus quer que nada se perca de sua criação, pois é “amigo da vida” (Sb 11,26). É sómente no mistério do amor divino, providente e redentor, que conseguimos compreender a grandiosidade de Deus, expressa na beleza da criação e no cuidado pelos pequenos e pecadores.
Infelizmente, não parece ser esta a atual resposta humana frente à natureza, pois nas últimas décadas vivemos sob a pressão de uma grave crise ecológica sem precedentes. Deus ama a vida, quer a vida, por isso colocou “o espírito da vida em todas as coisas” (Sb 12,1). A misericórdia de Deus é um prolongamento de seu poder criador, especialmente em relação aos pecadores: “De todos tens compaixão, porque tudo podes. Fecha os olhos aos pecados dos homens para que se arrependam. [...] É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor” (Sb 11,23;12,2).
O Filho de Deus veio ao mundo para praticar e ensinar o poder e a misericórdia salvífica do Pai celeste. É o que proclama quando de seu encontro com Zaqueu: “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Porque o Pai celeste é “amigo da vida” (Sb 11,26), seu Filho veio em busca dos que mais necessitavam dela: os pecadores, os perdidos, os excluídos, para revelhar-lhes que alegra o coração de Deus a conversão, e não a morte dos pecadores.
Jesus, em uma de suas viagens missionárias, desta vez a Jericó, encontrou-se com Zaqueu, “chefe dos cobradores de impostos e muito rico” (Lc 19,2). Zaqueu é um publicano de influência em sua cidade e colaborador do império romano. Essa condição social lhe atraiu o ódio da parte de seus conterrâneos. Zaqueu já havia ouvido falar de Jesus. Em seu coração palpitavam aquelas palavras do Sermão da Montanha: “Pedi e vos será dado, buscai e achareis; batei e a porta vos será aberta” (Mt 7,7). Por isso, esperava com ansiedade para ver Jesus, mas, como era de estatura pequena, subiu numa figueira. Vendo-o sobre a figueira, Jesus disse: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar em tua casa” (Lc 18,5).
Zaqueu percebeu que Jesus não lhe dirigiu um olhar de desdém ou discriminador, e sim um olhar de amizade e de misericórdia. Antes de vê-lo, Jesus o amou e queria a sua salvação. Entretanto, para participar da salvação, é preciso a prática da solidariedade, a prática da partilha dos frutos do trabalho e da riqueza, pois não se pode servir a Deus e ao dinheiro. Para Zaqueu, a salvação tinha um jeito bem concreto: a restituição e a partilha: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8).
Ao restituir os bens às pessoas que havia lesado e ao partilhar os bens com os pobres, Zaqueu deu mostras de sua conversão, libertando-se da apropriação injusta que seu ofício favorecia, procedendo para além dos limites previstos pela lei judaica (Ex 21,37; Nm 5,5-7). Ele não perdeu a “hora da graça” que Jesus lhe ofereceu, à diferença do jovem rico, que “partiu triste, pois era possuidor de muitos bens” (Mt 19,25). Zaqueu “estava perdido e foi reencontrado, estava morto e tornou a viver” (Lc 15,24). Não só ele, mas toda a sua família acolheu com alegria a salvação.
Feliz Zaqueu que acolheu a salvação! Com essa visita missionária e misericordiosa, Jesus revela o amor providente e salvador de Deus, que não cessa de buscar os perdidos: “Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho” (Jo 5,17). O apelo de Jesus a Zaqueu - “Desce depressa porque hoje eu devo ficar na tua casa” (Lc 18,5) - é dirigido a cada um de nós. O Senhor quer se encontrar também com cada um de nós para oferecer-nos o seu amor. Mas, de que maneira o Senhor nos quer visitar? Ele vem através da eucaristia, da sua Palavra, da oração, dos sacramentos, dos pobres, doentes, sofredores, excluídos, e de muitas outras maneiras. Não percamos a “hora da graça”! Fiquemos atentos para quando Ele bater à nossa porta!
A visita de Jesus transformou a vida de Zaqueu. Desde o instante em que encontrou-se com Jesus, Zaqueu inverteu a ordem dos valores de sua vida: colocou a justiça do Reino e os pobres acima dos interesses particulares. Rompeu com o egoísmo que o mantinha cego. Em sua conversão, experimentou o amor de Deus na solidariedade. Enquanto vivemos, ocupemos o tempo para fazer o bem, sem esperar recompensas! Intensifiquemos a nossa piedade para com as coisas de Deus! Pratiquemos a solidariedade com os necessitados! Lutemos para que no mundo não haja excluídos nem perdidos! Não basta amar a Deus, é preciso amar também as pessoas. Não basta receber a vida de Deus, é preciso zelar pela vida dos outros. Quem é amigo de Deus não pode ser inimigo da vida de suas criaturas!
Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 28/10/2010