XXX Domingo do Tempo Comum – Ano C
Eclo 35,15-17; 20-22; Sl 34 (33); 2Tm 4,6-8.16-18; Lc 18,9-14.
A Palavra de Deus dirigida a nós, hoje, inicia com uma sentença: “Deus não faz discriminação de pessoas” (Eclo 35,15), porque Ele é o Juiz justo, que olha e escuta a oração dos humildes, mas reprova a oração dos orgulhosos. O autor do livro do Eclesiástico apresenta esta Palavra de Deus num contexto em que liga o culto à vida, o rito das oferendas à justiça. Um pouco antes do texto que ouvimos, este autor proclama: “O que agrada ao Senhor é afastar-se do mal, o afastar-se da injustiça é um sacrifício expiatório. Não te apresentes diante do Senhor de mãos vazias, porque tudo se faz por causa de um preceito. A oferenda do justo agrada ao altar” (Eclo 35,3-5). A exortação do autor do livro do Eclesiástico é contra as oferendas e sacrifícios perversos, que querem se justificar diante de Deus com polpudas oferendas, mas que, na prática, fazem os humildes sofrerem: “[...] jamais despreza a súplica do órfão, nem da viúva que derrama seu pranto” (Eclo 35,15).
Para mostrar a verdadeira oração, aquela que “atravessa as nuvens”, e chega até o coração de Deus, Jesus contou a parábola de dois rezadores: o fariseu e o publicano. A oração do fariseu, que se auto-gloriava de seu zelo legalista e puritano, é marcada pelo orgulho. Ele queria impressionar a Deus com seu bom desempenho exterior de boas ações, mas era desprezador das pessoas, colocando-se numa posição acima dos que não cumpriam à risca os preceitos da lei de Deus. “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de toda a minha renda” (Lc 18,11-12). O fariseu, ao invés da súplica humilde, se exibia; não quis arrancar de seu coração o orgulho que o cegava. Ele não quis se reconhecer pecador e devedor a Deus. Acreditou que já estava salvo fazendo o que a lei exigia. Por incrível que pareça, o fariseu ao dedicar tanto zelo pelos preceitos, acabou faltando a um dos principais mandamentos, o de “amar o próximo como a si mesmo” (Mc 12,31; Lv 19,18). Por isso, voltou para casa não justificado, e sua oração, se é que ele rezou, deu em nada. O orgulhoso é incapaz de rezar, porque não se une a Deus, mas vê só a si própria e procura somente a própria satisfação. Santo Agostinho comenta a oração do publicano com estas palavras: “Foi para rezar, mas não rezou a Deus; só louvou a si próprio! Mais ainda: não lhe bastou não rezar, não lhe bastou louvar a si próprio e ainda insultou aquele que rezava de verdade!”
A oração do publicano, por sua vez, é marcada pela humildade. O publicano sabe que precisa de Deus e que é pecador. Por isso, ficou no fundo do templo “e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tende piedade de mim, que sou pecador’” (Lc 18,13). A oração do publicano brotou de um coração sincero. O fariseu colocou-se com sinceridade diante de Deus, não se escondendo nas aparências, nada exigindo de Deus senão o perdão. Ele sabia que Deus o conhecia por dentro, por isso rezou sem artifícios e máscaras. O publicano era ciente de que Deus “derruba os orgulhosos e eleva os humildes”. Ele sabia-se pecador, e sentia que Deus o amava, pois Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 18,23). Por isso, a oração do publicano foi ouvida e ele voltou para casa justificado. Ao final da parábola, Lucas apresenta uma lição de moral: “Quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14).
A mensagem da liturgia de hoje é uma advertência contra a auto-suficiência no trato com Deus. A auto-suficiência favorece um tipo de oração auto-exultativa ou, talvez, revestida de estética e ritualismo, mas sem espírito, uma oração de aparências, mas sem verdade.
Rezamos com todo o nosso ser. A Deus, vamos com tudo o que somos e fazemos. Não existe oração sob disfarce ou simulada. A verdadeira oração, como a do publicano, desperta em nós a consciência de pecadores. É por isso que a missa começa com o ato penitencial, pedindo o perdão de nossas faltas leves.
Em nossa oração, é comum adotarmos a atitude do fariseu: achamos que somos bons e justos, e que, por isso, Deus deve nos dar recompensas, prêmios. Mas o pior é que, cegados pelo orgulho, quantas vezes julgamos e condenamos os outros. Se pensássemos com seriedade nos nossos pecados, falhas, fraquezas, incoerências, infidelidades, como fez o publicano, certamente nada teríamos a nos orgulhar diante de Deus, nem julgaríamos os outros, e nada teríamos a reivindicar de Deus senão a sua misericórdia.
Vivemos numa sociedade em que predomina o “jeitinho”, a falta de ética, a corrupção exterior e interior, numa sociedade em que “ser honesto é coisa do passado” e “ser sério é coisa do século passado”, numa sociedade que educa para a mediocridade e para a mentira. Este ambiente tende a encobrir a consciência da culpa e favorece a desresponsabilização pelas próprias ações. Não raras vezes, atos pecaminosos e criminosos são tratados como desvios psicológicos ou patologias. A pessoa infratora acaba sendo desresponsabilizada, seja pela indiferença, seja por um falso mecanismo que lhe garante inocência diante das trapaças.
Rezar sabendo-se pecadores e confiando na misericórdia divina é o início da conversão e da salvação. A oração feita com humildade segura meus pés no chão (da verdade da vida) e leva meu coração para o céu; oração do orgulhoso, ao contrário, tira-lhe os pés do chão (entra na esfera da aparência, da fuga do real) e leva seu coração a lugar nenhum.
O apóstolo Paulo, quando escrevia ao seu amigo, Timóteo, estava preso, em Roma, e pressentia seu fim. O texto da segunda Carta a Timóteo, que ouvimos há pouco, é uma espécie de testamento, com “palavras de ouro”, de alguém que se sabia pecador, mas que foi resgatado e salvo pela graça de Deus, de alguém que, depois de entregar totalmente a sua vida por causa do evangelho, agora, nos últimos dias de vida, tem a consciência do dever cumprido: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4,7-8). Paulo não se auto-justifica diante de Deus, como faziam os fariseus – ele mesmo havia sido um deles -, que se achavam com certos “direitos” diante da justiça divina. Ele, até o fim, mesmo com a experiência do abandono – ninguém o defendeu diante do tribunal de Roma (2Tm 4,16) - confiou na misericórdia e no juízo salvífico de Deus. Partiu com a esperança de que Deus o libertaria do mal e da morte (2Tm 4,18), para viver eternamente junto a Quem consagrou a sua existência terrena.
No final desta reflexão, peçamos que o Senhor nos dê a graça de rezar com humildade, com a sinceridade do coração, abrindo nossa alma sem medo Àquele que pode nos ouvir. E, com confiança, dizemos uma vez mais: “O pobre clama a Deus e ele escuta” (Sl 34[33]).
Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 21 10 2010
Frei Nédio mais uma vez muito obrigada por colaborar com nosso blog, suas homilias são maravilhosas!
ResponderExcluirMuito legal a colaboração do Frei!
ResponderExcluirPalavras sábias e que nos faz refletir.Espero que tenham outras...
Deus abençoe a vocação de todos.
Beijos queridos!