sexta-feira, 27 de maio de 2011

Homilia dia (29.05.2011) “Se me amais, observai os meus Mandamentos!” (Jo 14,15).


VI DOMINGO DE PÁSCOA.
29.05.2011.

“Se me amais, observai os meus Mandamentos!” (Jo 14,15).
1.Introdução.
A “Renovação Carismática”, com certeza, é uma grande bênção para a Igreja, mas nem todos os que se afirmam carismáticos possuem o Espírito do Senhor; pois, a Renovação não é uma devoção há mais. É o jeito de viver segundo o Espírito do Senhor. Ele nos prometeu o Espírito Santo para recordar e para explicar todas as suas Palavras. Todo cristão, discípulos de Jesus, deve ser carismático. (Jo 14,25-26).
Não basta cantar “aleluia” e “bater palmas” durante a celebração para ser carismático; é necessário viver de acordo com os Mandamentos de Jesus. Aquele que vive de acordo com seus Mandamentos é amado por Ele e será transformado em templo vivo, morada da Santíssima Trindade: “Viremos a ele e faremos nele nossa morada!” (Jo 14,23).

2.Palavra de Deus.
At 8,5-8.14-17 – O Espírito Santo estava presente nos convertidos desde o Batismo, mas era necessária a imposição das mãos dos Apóstolos para a Comunidade ser confirmada na fé e na presença do Espírito Santo. É a Igreja que, aos poucos, se organiza com estruturas e ritos necessários para cumprir sua missão. Hoje, é o Bispo que impõe as mãos confirmando o Espírito Santo na vida dos batizados.
1Pd 3,15-18 – Cristão é quem cultiva e santifica seu coração com a presença de Jesus Cristo: É um templo vivo de Cristo e vive com tão grande convicção que pode responder, com mansidão e calma, a todas as perguntas sobre sua razão e seu jeito de viver. Os pagãos diziam, admirados: “Os cristão não sabem falar bonito de sua fé, mas eles têm a vida!”
Jo 14,15-21 – Discípulo de Jesus é quem vive de acordo com os seus Mandamentos. Quem ama, imita o amado! O amor-imitação é a garantia da presença de Jesus, do Pai e do Espírito Santo em nosso coração. Jesus não nos deixou órfãos ao subir ao céu! Disse ele: “Virei a vós (...) e o Espírito Santo permanecerá convosco para sempre!” (Jo14,16-18).

3.Reflexão.
* Os cristãos primitivos não falavam bonito de sua fé e de suas devoções; eles viviam, davam testemunho com sua vida! E o testemunho é sempre irrecusável! Hoje, nos podemos até falar bonito de nossa fé e de nossas devoções, mas carecemos de vida mais explícita e autêntica. O próprio entusiasmo carismático se apaga rapidamente; é como fogo de palha que apaga rápido!
* Os convertidos pela pregação de Felipe na cidade de Samaria foram confirmados na fé e no entusiasmo mediante a recepção do Espírito Santo (Crisma), conferido pelos Apóstolos (Bispos). Hoje, em nossa Igreja são muitos os batizados, mas são poucos os que chegam ao Crisma e quantos confirmam sua fé e seu amor a Jesus mediante uma vida claramente definida pelo Evangelho? Infelizmente, não são muitos!
* E como é maravilhoso o ensinamento de Jesus que nos promete uma presença firme em nosso coração e, ao mesmo tempo, garantiu a presença do Pai e do Espírito Santo como “companheiros” de caminhada rumo ao céu! Se pensássemos mais nesta presença, com certeza, não sujaríamos esse templo vivo de Deus - que é nosso corpo - com drogas, maldade e corrupção! São Pedro nos recomenda de “santificar a Cristo, o Senhor, em nossos corações...” Santificar significa honrar, imitar! Quem ama, imita, diz o grande contemplativo, Charles de Foucauld.

“Se alguém me ama, guardará minha Palavra,
e meu Pai o amará e viremos a ele e faremos nele a nossa morada!”


Frei Carlos Zagonel.

Homilia dia (29.05.2011) Para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11)


VI Domingo da Páscoa – Ano A
At 8,5-8.14-17; Sl 66(65); 1Pd 3,15-18; Jo 14,25-21



O povo da antiga aliança experimentava uma profunda alegria quando se aproximava da cidade de Jerusalém e ingressava no templo, pois sabia que ali Deus estava presente: “Alegrei-me quando me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor’! Nossos passos já se detêm ante tuas portas, ó Jerusalém” (Sl 122 [121], 1-2). Inúmeros salmos dão testemunho do regozijo espiritual pelo fato de estar na casa de Deus, para renovar a confiança e a gratidão, e lembrar e celebrar as suas obras: “Eu irei ao altar de Deus, ao Deus da minha alegria” (Sl 43,4); “Puseste em meu coração mais alegria do que quando seu vinho e seu trigo transbordam” (Sl 4,8). O salmo da liturgia deste domingo vai mais longe e convida todos os povos e todas as criaturas a bendizer com alegria as obras e o Nome de Deus, que não rejeita os que O temem: “Exultemos de alegria no Senhor [...]. Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, cantai salmos ao seu nome glorioso, dai a Deus a mais sublime louvação” (Sl 66[65]).

A alegria do povo da antiga aliança era experimentada não só na liturgia do templo, mas também na prática do direito e da justiça fora do templo, de modo que, naqueles corações justos e tementes a Deus, havia alegria em lembrar as ações salvíficas de Iahweh: “Coloco Iahweh à minha frente sem cessar, com ele à minha direita não vacilo. Por isso meu coração se alegra, minhas entranhas exultam e minha carne repousa em segurança” (Sl 16[15] 8-10); “Tu me alegras pelos teus atos, Iahweh, eu exulto com as obras de tuas mãos” (Sl 92[91],5).

Não menor é a alegria do povo da nova aliança. A liturgia do tempo pascal nos convida a celebrar a obra, por excelência, da salvação: Deus enviou o seu Filho e o seu Espírito para estarem sempre conosco. Ao ingressarmos no templo, para acolher a Palavra de Deus e a participar da refeição da “vida eterna”, damos graças pela “nova vida” à qual Deus nos chamou desde o batismo. Em cada domingo, celebramos a morte e a ressurreição do Senhor, por isso é um dia diferente dos outros dias da semana. O domingo é caracterizado pela alegria pascal: “O domingo é o dia da assembléia litúrgica por excelência, o dia da família cristã, o dia da alegria e do descanso do trabalho” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1193). As leituras bíblicas recordam-nos também a graça recebida no sacramento da confirmação, que é a capacitação para o testemunho público de Cristo.

A alegria pascal não é uma alegria qualquer, nem se reduz a um sentimento de bem-estar. É alegria verdadeiramente espiritual. Não brota do mundo, mas do alto, da força da ressurreição. É, por isso, um dom, mas não para ser guardado para si mesmo, como se fosse algo privado, antes, é uma responsabilidade que diz respeito à proclamação do evangelho em vista da conversão dos corações, da expansão da Igreja e da comunhão eclesial. É a resposta ao dinamismo do Espírito que transforma a humanidade, fazendo-a sair do túmulo da morte e do pecado, para participar da “alegria de Deus”.

É nesta perspectiva que se compreende a primeira leitura (At 8,5-8.14-17). À chegada de Filipe à Samaria, diz a leitura, “era grande a alegria naquela cidade” (At 8,8), pois ali a pregação do evangelho estava sendo acolhida “com atenção” e acompanhada de sinais prodigiosos. Os
apóstolos, após o martírio de Estêvão, com a audácia e o destemor, próprios de testemunhas do Ressuscitado e de ungidos pelo Espírito em Pentecostes, levam o evangelho para além das fronteiras da Judéia, desta vez à Samaria. As perseguições não impedem a força viva da Palavra de Deus de se difundir e invadir serenamente os corações. É por essa mesma Palavra viva de Deus que o próprio Jesus consumou a sua vida e, em vista desta mesma Palavra, os apóstolos são capacitados pelo Espírito a imitar o Mestre.

Filipe é o primeiro a chegar à Samaria, ali encontra muitos já batizados, mas que ainda não haviam recebido o Espírito Santo. Sabendo disto, para lá seguem Pedro e João, os quais “impuseram-lhes as mãos e eles receberam o Espírito” (At 8,17). Com este gesto, os apóstolos confirmam o batismo dos samaritanos e os unem à comunidade primitiva de Jerusalém. Tem-se a impressão de que naquela comunidade de fé samaritana acontece um novo Pentecostes. Os samaritanos, ali descritos, constituíam um povo semi-hebreu, desprezado e rejeitado, não sendo apenas objeto do cuidado pastoral dos apóstolos, e sim, por intermédio do testemunho dos apóstolos, a eles chegou a luz e a verdade de Cristo, de modo a participarem da mesma alegria dos apóstolos.

Testemunhar destemidamente a alegria que nasce da Páscoa do Senhor, como o fizeram os apóstolos, não significa desconhecer ou anular as tristezas e as dores da vida humana. Assim como a experiência humana da alegria pode acontecer de muitas maneiras e em níveis diferentes, assim também a tristeza pode ser experimentada de muitas maneiras e em níveis diferentes, através da morte de pessoas queridas, das doenças, dos fracassos econômicos e amorosos, dos revezes nos planejamentos, nas injustiças e nos sofrimentos. A luz da alegria pode se apagar em nosso coração, para isso é preciso precaver-se, sob pena de sermos pervadidos e dominados pelo “espírito da tristeza” que ameaça constantemente a nossa vida.

Em resposta à novidade da alegria contagiante da Páscoa, o apóstolo Pedro encoraja os cristãos neo-convertidos da Ásia Menor a não desanimar frente aos sofrimentos que as perseguições lhes impunham: “Santificai em vossos corações o Senhor Jesus Cristo e estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo o que vo-la pedir” (1Pd 3,5). O apóstolo aconselha-os à fidelidade à consciência e a portarem-se sem violência – “fazei-o com mansidão e respeito” – para que os perseguidores se envergonhem do mal que praticam (1Pd 3,16). Para o apóstolo, o cristão é imitador de Cristo que deu a sua vida “por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18), por isso não deverá reproduzir em seus ambientes de vida e em seus relacionamentos, a violência e o ódio dos perseguidores: “Será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,17). Tanto os sofrimentos inerentes à existência humana quanto os sofrimentos impostos por outrem não são motivo de perder a paz e a alegria de viver, pois, de algum modo, cooperam e unem-se à obra redentora de Cristo: “É preciso passar por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus” (At 14,22); “completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).

No evangelho deste domingo (Jo 14,15-21), Jesus continua a preparação dos discípulos para a sua partida. Devendo retornar ao Pai, Jesus se afastará visivelmente do mundo, assim “o mundo não mais me verá” (Jo 14,19). Entretanto, não quer deixar os discípulos órfãos, desamparados, dominados pela tristeza do abandono e da dispersão. Para isso, promete enviar-lhes o Paráclito, para que os acompanhe, defenda-os na hora da perseguição e os instrua interiormente: “Rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco; o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o
conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,16-17). E não promete só o Paráclito, mas também aquele O amar e praticar o seu evangelho, este se tornará como um templo onde morarão o Pai, o Filho e o Espírito Santo; por ocasião da vinda do Paráclito, “naquele dia, sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).

A alegria pascal, “fruto do Espírito” (Gl 5,22), dada aos que crêem no Ressuscitado, faz-nos degustar desde agora a “alegria do céu”, contudo, esta não acontece automaticamente, antes, é conseqüência da caridade (Catecismo, 1829). Somente quem ama por amor de Cristo pode experimentar esta alegria. Dizia S. Agostinho aos cristãos de seu tempo: “A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim; é para alcançá-lo que cremos; é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que repousamos” (S. Agostinho, In Epist. Jo. 10,4).

Se é verdade, assim como diz o provérbio: “Deus escreve certo por linhas tortas”, e “Deus constrói o seu Reino no meio do caos” (Paul Evdokimov), então cabe-nos lembrar uma dura verdade: a vida cristã é uma vida batismal: isso significa, de um lado, a nossa inserção no mistério da Páscoa, no qual nos renovamos todos os dias, de outro lado, a nossa responsabilidade em difundir a alegria que brota da Páscoa. A vida cristã é dom e tarefa: é uma “vida nova” recebida e aperfeiçoada pelo Espírito, é verdade, mas também exige, em contrapartida a doação e o testemunho. Não se privatiza a graça da “vida nova” do batismo.

A alegria pascal, experimentada no reencontro com o Senhor em cada liturgia dominical, ajuda-nos a nutrir o “fervor missionário”, tornando o trabalho de evangelização frutuoso e credível. É justamente este o apelo da Encíclica Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI (1975) aos ministros e aos fiéis católicos, dos quais se espera um testemunho claro da alegria da ressurreição: “Recobremos o fervor do espírito. Conservemos a doce e confortadora alegria de evangelizar, inclusive quando é necessário semear entre lágrimas [...], façamos tudo isso com ímpeto que ninguém e nada seja capaz de extinguir. Seja essa a maior alegria de nossas vidas dedicadas. E oxalá o mundo atual – que o procura às vezes com angústia, às vezes com esperança – possa assim receber a Boa Nova, não através de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes ou ansiosos, mas através de ministros do Evangelho, cuja vida irradia o fervor de quem recebeu, ante de tudo em si mesmos, a alegria de Cristo e aceitam consagrar a sua vida à tarefa de anuncia o Reino de Deus e de implantar a Igreja no mundo” (Paulo VI, Encíclica Evangelii Nuntiandi, 80).

Ao suplicarmos ao Senhor para que renove em nós o dom da alegria pascal, esforcemo-nos também para superar tudo que a impede de frutificar: a “preguiça espiritual”, a ingratidão, a indiferença, o ódio e o pecado, e assim, como diz a Oração do Dia, “a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos”.


Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 26 de maio de 2007

sábado, 21 de maio de 2011

Homilia dia (22.05.2011) “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6)


V Domingo da Páscoa – Ano A
At 6,1-7; Sl 33(32); 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12

O tempo pascal é um tempo de alegria. Assim como os discípulos se alegraram ao verem o Senhor ressuscitado, nós participamos da alegria dos discípulos ao reencontrá-lO na comunidade cristã reunida para a celebração da eucaristia. Renovamos, assim, a alegria de sermos seus discípulos e missionários, a quem foi confiado os segredos do evangelho (cf. Documento de Aparecida, nº 28).  
O evangelho deste domingo aprofunda o evangelho de domingo passado, quando ouvíamos que Jesus auto-apresentar-se como “a porta das ovelhas” (Jo 10,1-10). Jesus é o caminho que conduz ao Pai, e não só isso, Ele é a “porta de acesso” ao mistério de Deus Pai, ao mistério do Verbo encarnado, e ao mistério do Paráclito. Jesus é o revelador do Deus a quem cremos e chamamos de “Deus cristão”. Ao revelar o caminho para Deus, num caminho de subida, e, pelo fato de ter vivido entre nós, num caminho de descida de Deus até nós, Jesus é também a revelação do ser humano. Em sua pessoa, contemplamos a verdade a respeito de Deus e a verdade a nosso respeito, e o convite a participar da sua vida, verdade esta que se estende e abrange toda a história humana e o mundo cósmico. Em Jesus, cruzam-se os caminhos de Deus a nós, e de nós para Deus.
Ao preparar e consolar os discípulos para que estivessem preparados para a sua partida deste mundo, Jesus convida os discípulos a acreditar n’Ele e em Deus, bem como a confiar em seu regresso próximo, para também levá-los à casa do Pai: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós e, quando eu for e tiver preparado um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, vós estejais também” (Jo 14,1-3).
A meta da promessa de Jesus é a “casa do Pai”, para a qual Jesus é o caminho. É através da Pessoa de Jesus que os discípulos poderão conhecer o caminho e a meta. Para Tomé que ignora tal caminho, Jesus responde com uma grande revelação, conservada pelo evangelista João: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). O caminho para Deus Pai é originariamente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, cuja verdade é apreendida não primariamente em teorias e fórmulas conceituais, mas num relacionamento pessoal. Foi exatamente essa maneira pela qual Jesus se fez conhecer aos discípulos: não iniciando por expor doutrinas, mas atraindo-os à sua companhia, ao seu modo de viver, de amar, de sofrer e de esperar. As narrativas contidas nos evangelhos a respeito de Jesus não são apenas descrições figurativas, e sim o resultado de uma experiência nascida a partir do encontro com o Cristo.
Sim, Jesus é a revelação pessoal do Pai. Mostra isso claramente a Filipe que lhe perguntara para ver o Pai: “Mostra-nos o Pai, e isto nos basta” (Jo 14,8). Talvez Filipe, em seu entusiasmo ingênuo, esperava uma revelação do Pai da parte de Jesus ao modo das teofanias do Antigo Testamento, em que Deus se apresentava através de raios, trovões, fogo e terremoto. Não, o caminho da revelação do Pai, escolhido por Jesus, é a sua própria humanidade, iniciada na humildade da manjedoura e coroada com a ressurreição, cheia de misericórdia para com os pecadores, consoladora para os abatidos, iluminadora para os errantes, escandalosa para os orgulhosos, irreconhecível para os incrédulos, através da qual pode-se contemplar o jeito de Deus ser e trabalhar em favor do mundo.
A revelação que Jesus faz de Deus brota de sua experiência filial, de sua comunhão permanente e de sua fidelidade ao projeto do Pai. Isso nos faz entender a resposta de Jesus a Filipe: “Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo, mas é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras. Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Acreditai-me, ao menos, por causa dessas mesmas obras” (Jo 10-11). Utilizando a linguagem da experiência humana, diríamos que Jesus mora no Pai e o Pai mora em Jesus, um inabita o outro, um permanece unido ao outro, e desta inabitação mútua, sempre em perfeita harmonia de vontades, Jesus leva até o fim a missão reveladora que lhe é confiada. Ou como disse um poeta a respeito do amor: “Amar é um morar no outro” (Mário Quintana). É nesta comunhão de amor e de vida plena, que circula entre o Pai e o Filho, da qual participa o Espírito Santo, que Jesus faz as obras que o Pai lhe confia e revela os ensinamentos que o Pai lhe pede. É desta comunhão que brota toda a autoridade e o conhecimento de Jesus a respeito de si mesmo, de sua missão, e o conhecimento de Deus: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18).
No final do evangelho, Jesus rediz o seu propósito de partir deste mundo, porém, outra vez, consola e anima os discípulos, assegurando-os de que se tiverem fé n’Ele farão grandes obras em seu Nome: “Em verdade, em verdade eu vos digo, quem acredita em mim farás as obras que eu faço e fará obras ainda maiores do que estas, porque eu vou para o Pai” (Jo 14,12). Os discípulos são animados a continuar a missão de Jesus, e assim cooperarão, ainda que de modo misterioso, na glorificação do Pai em seu Filho.
Após a partida de Jesus, e contando com a assistência permanente do Espírito Santo, os apóstolos se dão ao trabalho de expandir e organizar a comunidade dos seguidores de Jesus, a Igreja, sem perder de vista o essencial de sua missão, que é a oração e o anúncio do evangelho. Frente às inúmeras conversões ao cristianismo, seja de judeus, seja de pagãos, seja de judeus helenizados, surge o problema do atendimento às viúvas destes últimos. Narra o livro dos Atos dos Apóstolos que os apóstolos reuniram a comunidade, rezaram invocando o Espírito, escolheram sete diáconos, sobre os quais impuseram as mãos, confiando-lhes o encargo de prestar auxílio caritativo às viúvas pobres (At 1,6-7).  
Cuidar espiritualmente e materialmente da vida dos pobres, doentes e necessitados, não é algo marginal ou superficial à vida da Igreja. Os serviços de assistência social, garantidos e geridos pela sociedade civil ou mesmo pelos órgãos governamentais, nem sempre dão conta das necessidades que vão surgindo aqui e acolá. Assim como Jesus cuidou da saúde física e espiritual de tantas pessoas em seu tempo, a Igreja hoje, em fidelidade à missão recebida, não pode abdicar do cuidado da vida de quem está em necessidade. O amor a Deus se traduz no amor ao próximo, mais concretamente, no amor aos pobres. No Brasil, a primeira página da história de inúmeros municípios tem a marca da caridade da Igreja, cuja memória não pode ser esquecida!
O apóstolo Pedro, ao escrever aos cristãos, provenientes de regiões pagãs da Ásia Menor, exorta-os com a intenção de confortá-los e solidificá-los na fé. Os que foram chamados por Deus, os “eleitos”, por meio do batismo, foram introduzidos numa nova condição de vida, devem viver uma “vida santa” como convém a todo batizado, formando assim uma “nação santa”. Para isso, não devem temer Cristo, antes viver unidos entre si e com Cristo. Esta unidade é comparada a um “edifício espiritual”, que tem Cristo como a “pedra angular”, e cada um dos cristãos é “pedra viva” (1Pd 2,4-9). A Igreja é uma comunidade de pessoas, cuja ligação profunda de seus membros, não é constituída necessariamente pelos laços de sangue, mas pelos laços da fé, do amor e da esperança: “Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual Cristo é a pedra angular. Nele bem articulados, todo o edifício se ergue em santuário sagrado, no Senhor, e vós, também, nele sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus” (Ef 2,20-22).
Assim como povo de Israel era um povo consagrado para o culto e o serviço de Deus (Ex 19,5-6), também os cristãos, o novo povo de Israel, em fidelidade ao batismo, é um povo consagrado ao culto e ao serviço das coisas de Deus, prestando contas também das coisas do mundo, uma vez que o batismo consagra a Deus sem tirar o batizado do mundo em que vive. Os batizados constituem o povo que Deus “adquiriu para o seu louvor e glória” (Ef 1,14). É a vocação sacerdotal dos cristãos, dos quais se espera que a sua vida seja um ato de culto que perpetua na história, em certo sentido, a oferenda que Jesus faz de si ao Pai: “Vós sois a raça escolhida, o sacerdócio do reino, a nação santa, o povo que ele conquistou para proclamar as obras admiráveis daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1Pd 2,9).
A liturgia deste domingo renova a nossa alegria, pois experimentamos, uma vez mais, intensa e profundamente, a alegria da salvação, a nossa Páscoa. Ser um cristão que segue os caminhos trilhados por Jesus Cristo é um dom, um graça, que dinheiro algum pagará. Nem precisa esperar recompensa, pois os benefícios já estão antecipados. Frente a um mundo que oferece inúmeros caminhos, muitos dos quais levam à morte, ao extravio, à banalização da vida, ao anonimato, ao enfraquecimento dos vínculos, à perda de valores e referenciais, é preciso retornar ao caminho verdadeiro que conduz para a verdade e para a vida, cujo nome é Jesus Cristo. Num mundo de muitas incertezas, a fidelidade ao seguimento de Jesus é fonte de alegria e de certezas, ou como diz o Documento de Aparecida: “A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecida com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA 29).

Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 19 de maio de 2011

Homilia dia (22.05.2011) “EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA!” (Jo 14,6).


V – DOMINGO DE PÁSCOA.
22.05.2011.
“EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA!” (Jo 14,6).
1.Introdução.
Todos nós estamos a procura de caminhos na vida, mas queremos encontrá-los por iniciativa própria e acomodados ao nosso gosto e preferência! Ninguém – ou muito poucos – está disposto a ser ensinado. O homem moderno é individualista demais! “Ele parte a cara”, mas vai por conta!
Jesus se apresenta a nós como “Caminho, Verdade e Vida”! É oferta; não é imposição! Queiramos ou não, Ele é o único caminho que pode levar-nos à felicidade real e definitiva. Mas é um caminho estreito e sem grandes atrativos externos!
Hoje em dia, com a multiplicação de igrejas e de filosofias de vida, temos uma super oferta de caminhos. Podemos, até, falar de oferta com preço de liquidação! E como vivemos angustiados com o sentido da vida humana, há incontáveis compradores. Poucos se dizem ateus, mas a maioria constrói seu deus ao gosto pessoal e subjetivo; até parece que Deus não tem o direito de indicar-nos um caminho!

2.Palavra de Deus.
At 6,1-7 – A Igreja se expande, cresce em número, mas com seu crescimento surge a necessidade de criação e organização de novos ministérios. E Pedro cumpre direitinho seu dever de pastor maior na Comunidade cristã. São eleitos os diáconos, encarregados de cuidar das viúvas pobres e excluídas na distribuição das esmolas. A Igreja é santa e pecadora; e isto aparece já em sua organização inicial.
1Pd 2,4-9 – Cristo é o fundamento da Igreja – “pedra fundamental” – mas todo batizado deve transformar-se em pedra viva para a construção de sua Igreja no mundo. Sacerdote não é apenas o “padre”, mas são todos os batizados; somos um sacerdócio real (verdadeiro), apto a oferecer um sacrifício espiritual a Deus, como parceiros de Jesus, no único e verdadeiro Sacerdote do Pai.
Jo 14,1-12 – Para os discípulos fiéis de Jesus o “caminho do céu” é facilitado, pois, Jesus se apresenta como “o Caminho, a Verdade e a Vida”! E nosso destino é a “Cidade de Deus” que Jesus foi organizar para nós! Ele quer nossa companhia! Quem caminhou com Ele em vida, estará com Ele na Casa do Pai.
3.Reflexão.
* A Igreja está em fase de expansão e crescimento e, portanto, necessitada de organização e de governo. Ela não é apenas santa; mas é humana, santa e pecadora: existe nela o pecado da exclusão dos pobres e dos pensam diferente na própria comunidade... e isto por motivos culturais e religiosos! Esta é a conseqüência de sua humanidade: não é uma igreja de anjos, mas de criaturas humanas necessitadas de aperfeiçoamento e de paciência!
* Cristo é o verdadeiro e único sacerdote na Igreja; padres e leigos formamos nela um verdadeiro sacerdócio real e sagrado, encarregado de oferecer sacrifícios espirituais a Deus Pai no meio do povo onde vivemos. Somos sacerdotes de Deus no meio do mundo, fora do recinto da igreja material. A missa celebrada na vida secular é tão importante quanto a celebrada no templo!
* A Comunidade dos discípulos conhece o “Caminho de Jesus” que conduz à Casa do Pai: basta olhar para Jesus e imitá-lo no comportamento diário. O amor verdadeiro é imitação. Não existe um mapa pré-estabelecido; o caminho se faz caminhando na vida real imitando a Jesus. “Amor é imitação; quem ama, imita! Não havendo imitação, ele pode ser hipocrisia!”
* Não basta amar Jesus em palavras e louvações; precisamos imitá-lo em nossa vida real! Então, Ele será, de verdade, “o Caminho, a Verdade e a Vida!”
“Quem caminha comigo, comigo vai para a Casa do Pai!”

Frei Carlos Zagonel.

domingo, 8 de maio de 2011

Homilia dia (08/05/2011) “Jesus caminha conosco e nos explica as Escrituras!”(Lc 24,37).


III - DOMINGO DE PÁSCOA.
08.05.2011.
“Jesus caminha conosco e nos explica as Escrituras!”(Lc 24,37).
1.Introdução.
   A morte de um sonho é sempre triste! Os discípulos caminhavam, rumo à sua cidade, desiludidos e tristes, pois, esperavam um messias glorioso como um general vencedor e viram Jesus morrer na Cruz. A sua frustração foi total. O sonho acabou, voltemos para casa!
Mas, Jesus caminha com eles, explica-lhes as Escrituras, parte o pão e revela-se como Ressuscitado. O sonho reviveu, mas com outras cores! È bom sonhar, mas com as cores de Deus!
É triste demais caminhar sozinhos  na vida e desiludidos porque nossos sonhos se desfazem um após o outro! Precisamos caminhar com Jesus, receber suas correções e ser iluminado pelo Espírito Santo; então, poderemos sentir a vida arder novamente em nosso coração.

2.Palavra de Deus.
At 2,14ª.22-28 – Não importa que os “poderosos” tenham matado Jesus, o Pai deu valor à sua obra e o ressuscitou, constituindo-o juiz dos vivos e dos mortos! A vitória de Jesus já estava predita pelas Escrituras Antigas que diziam que sua carne não apodreceria na sepultura! (Sl 16,9-10). Na vida, é a vitória final que conta!
1Pd 1,17-21 – Somos resgatados da morte ao preço do precioso Sangue de Jesus; por isso devemos ser santos como Ele é santo. Ressuscitar com Cristo significa assumir uma vida nova, buscando a santidade para sermos dignos daquele que nos resgatou com tão alto preço!
Lc 24,13-35 – Os discípulos, frustrados em seu sonho de libertação política, voltavam para casa reassumindo a vida de pobres agricultores ou pescadores explorados pelos poderosos. Continuariam pobres e explorados! Jesus caminhou com eles no caminho de Emaús, corrigiu sua ideologia triunfalista, partiu o pão com eles e lhes abriu os olhos para entenderem as Escrituras.

3.Reflexão.
·         Os Apóstolos eram pescadores pobres e analfabetos. Não se podia esperar deles grandes discursos; porém, eles eram testemunhas de um grande evento: Jesus foi morto pelos poderosos, mas foi ressuscitado pelo Pai que reconheceu o valor infinito de sua obra. Ele está vivo e será o juiz dos vivos e dos mortos! A beleza do discurso dos Apóstolos não está nas palavras, mas no testemunho da Ressurreição de Jesus. Jesus venceu a morte e, agora, está vivo! Alegremo-nos! Nossa vida e nossas palavras devem ter a cor da Ressurreição de Jesus
·         Javé pedia que seu povo fosse santo, porque Ele, o seu Deus, era santo (Lv 19,2). E todo aquele que confessa Jesus vivo e ressuscitado, deve tender continuamente à santidade (1Pd  1,16).
·         Nossos sonhos são rasteiros demais, por isso, caminhamos tristes pela vida afora. Eles não se realizam do nosso jeito. Jesus nos faz entender os caminhos de Deus e andar com Ele pelos caminhos da vida é bem melhor do que caminhar sozinho, desiludido e frustrado. Jesus é nosso companheiro de jornada, é a luz que ilumina nossos caminhos. Nós não andamos nunca nas trevas, porque acreditarmos na ressurreição de Jesus.
·         Nosso pai Abraão foi aconselhado por Deus: “Anda na minha presença e sê íntegro!”Gn 17,1) e quem acredita na ressurreição e na proposta de Jesus procura andar de maneira digna de sua vocação (Ef 4,1). A santidade convém ao cristão, pois, fomos resgatados por um alto preço, o Sangue do Cordeiro de Deus.

“Senhor Jesus, fazei-nos compreender as Escrituras
e arder nosso coração,quando nos falais!”
Frei Carlos Zagonel.


Homilia dia (08/05/2011) “Deus ressuscitou Jesus, e disso nós somos testemunhas” (At 2,32)


“Deus ressuscitou Jesus, e disso nós somos testemunhas” (At 2,32)

III Domingo da Páscoa – Ano A
At 2,14.22-33; Sl 16 [15]; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35

O tempo litúrgico da Páscoa é marcado pelo caráter festivo, em que se experimenta a alegria da ressurreição do Senhor, e se responde pela obra salvífica de Deus, exultando com a ação de graças e o Aleluia. O clima festivo, presente no coração de cada membro da assembléia litúrgica, expressa-se na gratidão pela salvação que Deus nos deu, na renovação da fé e do amor, iniciado com o dom da vida nova recebida no batismo, e também com o acendimento do círio pascal, que inunda o coração dos fiéis participantes da liturgia dominical.  É o “tempo solene” da Páscoa de Jesus, que antecipa a nossa Páscoa, e que comemora a vitória de Cristo ressuscitado, sobre o poder da morte e do pecado. O Senhor está vivo e intercede junto de Deus por nós. Assim proclama o Prefácio da Missa: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Ele continua a oferecer-se pela humanidade e, junto de vós, é nosso eterno intercessor. Imolado, já não morre; e, morrendo, vive eternamente”.  Serafim de Sarov, um santo da Igreja Ortodoxa, cumprimentava as pessoas que encontrava pelo caminho com estas palavras: “Minha alegria é o Cristo ressuscitado”.

Temos facilidade para pedir, para reivindicar, mas não temos a mesma facilidade para agradecer. Por vezes, centralizados demais em nosso orgulho e autossuficiência, carecemos de olhar os dons que nos são dados pelo Senhor da vida por intermédio de tantas pessoas. Diante do grandioso e do inesperado evento da ressurreição do Mestre, os apóstolos não puderam conter-se, e, com ímpeto destemido, iluminados pelo  Espírito Santo, desde o dia de Pentecostes, proclamaram aos quatro ventos a grande novidade da ressurreição do Senhor.  

Na primeira leitura (At 2,14.22-33), Pedro proclama diante dos céticos judeus, com voz forte,  que Jesus de Nazaré, conhecido pessoalmente da parte dos ouvintes, junto com seus gestos, atitudes, milagres e exortações, não acabou no esquecimento, nem mesmo absorvido pelos meandros da história humana, mas Deus o resgatou da morte: é o kerigma cristão primitivo: “Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelo milagres, prodígios e sinais que Deus realizou por meio dele, entre vós. Tudo isso vós bem o sabeis. Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse [...]. Com efeito, Deus ressuscitou esse mesmo Jesus e disso nós somos testemunhas” (At 2,22-24.32).

O dom do Espírito Santo, em Pentecostes, ajuda os apóstolos a compreenderem o mistério que envolve a morte e a ressurreição de Jesus Cristo e a tornarem-se autênticas testemunhas. Eles entenderam que o profeta nazareno, rejeitado e ressuscitado, no mistério de sua morte e ressurreição, estava realizando  as profecias das Escrituras feitas ao rei Davi, conforme o Sl 16[15], que o apóstolo Pedro proclama em tom forte:  “Pois Davi dele diz: ‘Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para não vacilar. Alegrou-se por isso meu coração e exultou minha língua, e até minha carne repousará na esperança. Porque não deixará minha alma na região dos mortos nem permitirá que teu santo experimente a corrupção. Deste-me a conhecer os caminhos da vida e a tua presença me encherá de alegria’”(At 2,25-28; Sl 16[15], 8-11).

O apóstolo Pedro, discípulo da primeira hora e apóstolo do Senhor, ao escrever aos cristãos recém-batizados, convida-os a levar uma vida santa, à imitação de Deus: “Como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos também vós santos em todo o vosso comportamento, porque está escrito: ‘Sede santos como eu sou santo’” (1Pd 1,15-16). A partir do batismo cristão, os fiéis se tornam “filhos de Deus”, por isso podem chamar com liberdade e confiança a Deus de “Pai”. E, se Deus é Pai, então convém a todos os batizados, que foram “resgatados da vida fútil [...] pelo precioso sangue de Cristo” (1Pd 1,18-19), não retornar à vida de pecado, mas instaurar relações baseadas no amor verdadeiramente fraterno. É a conseqüência do novo estado de vida que o batizado é chamado a viver, uma vez que, por força da morte e da ressurreição de Cristo da qual os batizados participam, “a vossa fé e a vossa esperança estão em Deus” (1Pd 1,21). Cristo nos abriu o caminho para Deus. Reconhecendo o seu modo de viver  e o seu modo da dar a vida  chegaremos a conhecer, a crer e a amar a Deus. O Deus vivo e verdadeiro é o que tirou Jesus da morte, ressuscitando-o, dando razão plena ao que fez e ensinou. A partir da ressurreição de Cristo, o caminho da fé passa pela experiência de nossa ressurreição,  iniciada, ainda que na provisoriedade das coisas terrenas, desde o dia do nosso batismo: “Por ele é que alcançastes a fé em Deus” (1Pd 1,21).
O evento da ressurreição de Cristo é a grande provação da humanidade. É até fácil acreditar que o profeta nazareno morreu, pois todos os profetas morreram, mas crer que Ele ressuscitou, exige um processo de conversão e uma opção de vida. Sem fé é impossível crer na ressurreição do Senhor. O evangelho deste domingo (Lc 24,13-35), ao narrar a aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos de Emaús, quer mostrar também o processo de amadurecimento da fé dos discípulos, decepcionados pela experiência do fracasso aparente a que foram submetidos por causa da morte trágica e violenta do Mestre. Para que os discípulos se certifiquem a respeito da veracidade e do cumprimento das profecias a respeito do Filho de Deus, o próprio Jesus, agora ressuscitado, utiliza a mesma pedagogia do tempo do seu ministério, a sua presença, a instrução e os sinais de sua presença, para confirmar os discípulos na fé. Jesus caminha com os discípulos de Emaús e os lembra das profecias a seu respeito. Não os deixa na dúvida ou na incompreensão a respeito do que lhe aconteceu em Jerusalém, em cujos dias realizou o misterioso projeto de salvação de Deus: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devir sofrer tudo isso para entrar em sua glória?” (Lc 2425-26). A cruz não é um fim trágico, e sim o caminho aceito por Deus para a salvação da humanidade.

Em segundo lugar, o evangelho enuncia a nova forma da presença de Jesus após a sua ascensão. Cristo continuará presente na comunidade de fé através da Palavra e da Eucaristia, de modo que os discípulos não precisarão correr atrás de fenômenos extraordinários para se encontrar com o Ressuscitado. Foi exatamente esta a experiência dos discípulos de Emaús, que sentiam o coração abrasado enquanto Jesus lhes explicava as Escrituras pelo caminho, e tiveram os olhos (da fé) abertos quando viram o Senhor partir o pão: “Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus [...] Então um disse ao outro: ‘Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’” (Lc 24,30-32). Desse modo, a nossa relação com o Senhor ressuscitado, a partir do fim do “regime de visibilidade”, inaugurado pela sua ascensão ao céu, não se realiza mais no vê-lo e tocá-lo, e sim ouvindo a sua Palavra e participando da celebração sacramental da refeição eucarística. Assim, como aos discípulos de outrora, ele continua a nos instruir com “palavras de vida eterna” e a nos alimentar com o seu corpo e sangue eucarísticos. E, ao ouvir a Palavra de Deus e ao comungar o corpo sacramental do Senhor, o discípulo experimenta um profundo sentimento de alegria e gratidão, pois cada vez que isso acontece experimenta a sua própria Páscoa. Refaz assim a mesma experiência vivida pelos discípulos de Emaús: “Não ardia o nosso coração quando ele ...?”

A ressurreição de Cristo inicia um novo tempo para a humanidade. A salvação não deve ser buscada em outra pessoa ou outro lugar, mas em Jesus Cristo. Não precisamos ter medo de Cristo, nem duvidar de que o evento da sua ressurreição é a plenitude do sentido para a história, para o mundo cósmico, e para todo o ser humano que vive na face da terra. A ressurreição de Jesus é o “sim” de Deus Pai a seu Filho, o qual, em tudo, na vida e na morte, cumpriu o seu querer. Este “sim” ressoa na vida dos seguidores de Cristo, modelando o seu modo de viver, de pensar e de agir, ou seja, todo cristão é movido pela força da morte e da ressurreição de Cristo. Cristo é nosso futuro, não há outro. Sem a ressurreição, os apóstolos teriam retornado aos mesmos afazeres que os ocupavam antes de seguir o Mestre.

O mundo em que vivemos está cheio de técnicos, especialistas e administradores para todas as áreas da vida humana. Já dos cristãos não se espera apenas a colaboração para o funcionamento do mundo em modo igualitário, fraterno e justo, mas muito mais do que isso. Espera-se destes o testemunho da ressurreição de Cristo, que é bem mais do que uma simples crença na imortalidade, e bem diferente do que a reencarnação. Não basta só informar-se para saber a respeito de Jesus Cristo para propagandeá-lo “da boca para fora”, mas é preciso segui-lo em nossas atividades concretas e espirituais. Ser testemunha da ressurreição é ser um “evangelho vivo”, desde dentro do qual brota o anseio por um mundo fraterno, justo, pacífico, sem guerra, em que a vida vence a morte. Ser testemunha da ressurreição é ser instrumento do amor e do perdão, eliminando o ódio e a violência, a raiva e a vingança. Ser testemunha da ressurreição é alimentar-se continuamente da oração e da participação na vida sacramental da Igreja e da promoção da vida dos outros.

O segundo domingo do mês de maio é dedicado às mães. A elas, a nossa homenagem sincera de gratidão e a nossa oração. É importante recordar, neste dia, a própria mãe que nos deu á luz, viva ou falecida, e a herança dela recebida, em termos de valores humanos e espirituais. Em tempos de materialismo e indiferença em relação aos mistérios da vida e às coisas de Deus, a figura da mãe tem a importante missão de despertar e salvaguardar a vida espiritual dos filhos, responsável por todas as outras dimensões da vida humana.
Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 06 de maio de 2011