VI Domingo da Páscoa – Ano A
At 8,5-8.14-17; Sl 66(65); 1Pd 3,15-18; Jo 14,25-21
O povo da antiga aliança experimentava uma profunda alegria quando se aproximava da cidade de Jerusalém e ingressava no templo, pois sabia que ali Deus estava presente: “Alegrei-me quando me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor’! Nossos passos já se detêm ante tuas portas, ó Jerusalém” (Sl 122 [121], 1-2). Inúmeros salmos dão testemunho do regozijo espiritual pelo fato de estar na casa de Deus, para renovar a confiança e a gratidão, e lembrar e celebrar as suas obras: “Eu irei ao altar de Deus, ao Deus da minha alegria” (Sl 43,4); “Puseste em meu coração mais alegria do que quando seu vinho e seu trigo transbordam” (Sl 4,8). O salmo da liturgia deste domingo vai mais longe e convida todos os povos e todas as criaturas a bendizer com alegria as obras e o Nome de Deus, que não rejeita os que O temem: “Exultemos de alegria no Senhor [...]. Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, cantai salmos ao seu nome glorioso, dai a Deus a mais sublime louvação” (Sl 66[65]).
A alegria do povo da antiga aliança era experimentada não só na liturgia do templo, mas também na prática do direito e da justiça fora do templo, de modo que, naqueles corações justos e tementes a Deus, havia alegria em lembrar as ações salvíficas de Iahweh: “Coloco Iahweh à minha frente sem cessar, com ele à minha direita não vacilo. Por isso meu coração se alegra, minhas entranhas exultam e minha carne repousa em segurança” (Sl 16[15] 8-10); “Tu me alegras pelos teus atos, Iahweh, eu exulto com as obras de tuas mãos” (Sl 92[91],5).
Não menor é a alegria do povo da nova aliança. A liturgia do tempo pascal nos convida a celebrar a obra, por excelência, da salvação: Deus enviou o seu Filho e o seu Espírito para estarem sempre conosco. Ao ingressarmos no templo, para acolher a Palavra de Deus e a participar da refeição da “vida eterna”, damos graças pela “nova vida” à qual Deus nos chamou desde o batismo. Em cada domingo, celebramos a morte e a ressurreição do Senhor, por isso é um dia diferente dos outros dias da semana. O domingo é caracterizado pela alegria pascal: “O domingo é o dia da assembléia litúrgica por excelência, o dia da família cristã, o dia da alegria e do descanso do trabalho” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1193). As leituras bíblicas recordam-nos também a graça recebida no sacramento da confirmação, que é a capacitação para o testemunho público de Cristo.
A alegria pascal não é uma alegria qualquer, nem se reduz a um sentimento de bem-estar. É alegria verdadeiramente espiritual. Não brota do mundo, mas do alto, da força da ressurreição. É, por isso, um dom, mas não para ser guardado para si mesmo, como se fosse algo privado, antes, é uma responsabilidade que diz respeito à proclamação do evangelho em vista da conversão dos corações, da expansão da Igreja e da comunhão eclesial. É a resposta ao dinamismo do Espírito que transforma a humanidade, fazendo-a sair do túmulo da morte e do pecado, para participar da “alegria de Deus”.
É nesta perspectiva que se compreende a primeira leitura (At 8,5-8.14-17). À chegada de Filipe à Samaria, diz a leitura, “era grande a alegria naquela cidade” (At 8,8), pois ali a pregação do evangelho estava sendo acolhida “com atenção” e acompanhada de sinais prodigiosos. Os
apóstolos, após o martírio de Estêvão, com a audácia e o destemor, próprios de testemunhas do Ressuscitado e de ungidos pelo Espírito em Pentecostes, levam o evangelho para além das fronteiras da Judéia, desta vez à Samaria. As perseguições não impedem a força viva da Palavra de Deus de se difundir e invadir serenamente os corações. É por essa mesma Palavra viva de Deus que o próprio Jesus consumou a sua vida e, em vista desta mesma Palavra, os apóstolos são capacitados pelo Espírito a imitar o Mestre.
Filipe é o primeiro a chegar à Samaria, ali encontra muitos já batizados, mas que ainda não haviam recebido o Espírito Santo. Sabendo disto, para lá seguem Pedro e João, os quais “impuseram-lhes as mãos e eles receberam o Espírito” (At 8,17). Com este gesto, os apóstolos confirmam o batismo dos samaritanos e os unem à comunidade primitiva de Jerusalém. Tem-se a impressão de que naquela comunidade de fé samaritana acontece um novo Pentecostes. Os samaritanos, ali descritos, constituíam um povo semi-hebreu, desprezado e rejeitado, não sendo apenas objeto do cuidado pastoral dos apóstolos, e sim, por intermédio do testemunho dos apóstolos, a eles chegou a luz e a verdade de Cristo, de modo a participarem da mesma alegria dos apóstolos.
Testemunhar destemidamente a alegria que nasce da Páscoa do Senhor, como o fizeram os apóstolos, não significa desconhecer ou anular as tristezas e as dores da vida humana. Assim como a experiência humana da alegria pode acontecer de muitas maneiras e em níveis diferentes, assim também a tristeza pode ser experimentada de muitas maneiras e em níveis diferentes, através da morte de pessoas queridas, das doenças, dos fracassos econômicos e amorosos, dos revezes nos planejamentos, nas injustiças e nos sofrimentos. A luz da alegria pode se apagar em nosso coração, para isso é preciso precaver-se, sob pena de sermos pervadidos e dominados pelo “espírito da tristeza” que ameaça constantemente a nossa vida.
Em resposta à novidade da alegria contagiante da Páscoa, o apóstolo Pedro encoraja os cristãos neo-convertidos da Ásia Menor a não desanimar frente aos sofrimentos que as perseguições lhes impunham: “Santificai em vossos corações o Senhor Jesus Cristo e estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo o que vo-la pedir” (1Pd 3,5). O apóstolo aconselha-os à fidelidade à consciência e a portarem-se sem violência – “fazei-o com mansidão e respeito” – para que os perseguidores se envergonhem do mal que praticam (1Pd 3,16). Para o apóstolo, o cristão é imitador de Cristo que deu a sua vida “por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18), por isso não deverá reproduzir em seus ambientes de vida e em seus relacionamentos, a violência e o ódio dos perseguidores: “Será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,17). Tanto os sofrimentos inerentes à existência humana quanto os sofrimentos impostos por outrem não são motivo de perder a paz e a alegria de viver, pois, de algum modo, cooperam e unem-se à obra redentora de Cristo: “É preciso passar por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus” (At 14,22); “completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).
No evangelho deste domingo (Jo 14,15-21), Jesus continua a preparação dos discípulos para a sua partida. Devendo retornar ao Pai, Jesus se afastará visivelmente do mundo, assim “o mundo não mais me verá” (Jo 14,19). Entretanto, não quer deixar os discípulos órfãos, desamparados, dominados pela tristeza do abandono e da dispersão. Para isso, promete enviar-lhes o Paráclito, para que os acompanhe, defenda-os na hora da perseguição e os instrua interiormente: “Rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco; o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber, porque não o vê nem o
conhece. Vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,16-17). E não promete só o Paráclito, mas também aquele O amar e praticar o seu evangelho, este se tornará como um templo onde morarão o Pai, o Filho e o Espírito Santo; por ocasião da vinda do Paráclito, “naquele dia, sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).
A alegria pascal, “fruto do Espírito” (Gl 5,22), dada aos que crêem no Ressuscitado, faz-nos degustar desde agora a “alegria do céu”, contudo, esta não acontece automaticamente, antes, é conseqüência da caridade (Catecismo, 1829). Somente quem ama por amor de Cristo pode experimentar esta alegria. Dizia S. Agostinho aos cristãos de seu tempo: “A finalidade de todas as nossas obras é o amor. Este é o fim; é para alcançá-lo que cremos; é para ele que corremos; uma vez chegados, é nele que repousamos” (S. Agostinho, In Epist. Jo. 10,4).
Se é verdade, assim como diz o provérbio: “Deus escreve certo por linhas tortas”, e “Deus constrói o seu Reino no meio do caos” (Paul Evdokimov), então cabe-nos lembrar uma dura verdade: a vida cristã é uma vida batismal: isso significa, de um lado, a nossa inserção no mistério da Páscoa, no qual nos renovamos todos os dias, de outro lado, a nossa responsabilidade em difundir a alegria que brota da Páscoa. A vida cristã é dom e tarefa: é uma “vida nova” recebida e aperfeiçoada pelo Espírito, é verdade, mas também exige, em contrapartida a doação e o testemunho. Não se privatiza a graça da “vida nova” do batismo.
A alegria pascal, experimentada no reencontro com o Senhor em cada liturgia dominical, ajuda-nos a nutrir o “fervor missionário”, tornando o trabalho de evangelização frutuoso e credível. É justamente este o apelo da Encíclica Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI (1975) aos ministros e aos fiéis católicos, dos quais se espera um testemunho claro da alegria da ressurreição: “Recobremos o fervor do espírito. Conservemos a doce e confortadora alegria de evangelizar, inclusive quando é necessário semear entre lágrimas [...], façamos tudo isso com ímpeto que ninguém e nada seja capaz de extinguir. Seja essa a maior alegria de nossas vidas dedicadas. E oxalá o mundo atual – que o procura às vezes com angústia, às vezes com esperança – possa assim receber a Boa Nova, não através de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes ou ansiosos, mas através de ministros do Evangelho, cuja vida irradia o fervor de quem recebeu, ante de tudo em si mesmos, a alegria de Cristo e aceitam consagrar a sua vida à tarefa de anuncia o Reino de Deus e de implantar a Igreja no mundo” (Paulo VI, Encíclica Evangelii Nuntiandi, 80).
Ao suplicarmos ao Senhor para que renove em nós o dom da alegria pascal, esforcemo-nos também para superar tudo que a impede de frutificar: a “preguiça espiritual”, a ingratidão, a indiferença, o ódio e o pecado, e assim, como diz a Oração do Dia, “a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos”.
Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 26 de maio de 2007