V Domingo da Páscoa – Ano A
At 6,1-7; Sl 33(32); 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12
O tempo pascal é um tempo de alegria. Assim como os discípulos se alegraram ao verem o Senhor ressuscitado, nós participamos da alegria dos discípulos ao reencontrá-lO na comunidade cristã reunida para a celebração da eucaristia. Renovamos, assim, a alegria de sermos seus discípulos e missionários, a quem foi confiado os segredos do evangelho (cf. Documento de Aparecida, nº 28).
O evangelho deste domingo aprofunda o evangelho de domingo passado, quando ouvíamos que Jesus auto-apresentar-se como “a porta das ovelhas” (Jo 10,1-10). Jesus é o caminho que conduz ao Pai, e não só isso, Ele é a “porta de acesso” ao mistério de Deus Pai, ao mistério do Verbo encarnado, e ao mistério do Paráclito. Jesus é o revelador do Deus a quem cremos e chamamos de “Deus cristão”. Ao revelar o caminho para Deus, num caminho de subida, e, pelo fato de ter vivido entre nós, num caminho de descida de Deus até nós, Jesus é também a revelação do ser humano. Em sua pessoa, contemplamos a verdade a respeito de Deus e a verdade a nosso respeito, e o convite a participar da sua vida, verdade esta que se estende e abrange toda a história humana e o mundo cósmico. Em Jesus, cruzam-se os caminhos de Deus a nós, e de nós para Deus.
Ao preparar e consolar os discípulos para que estivessem preparados para a sua partida deste mundo, Jesus convida os discípulos a acreditar n’Ele e em Deus, bem como a confiar em seu regresso próximo, para também levá-los à casa do Pai: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós e, quando eu for e tiver preparado um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, vós estejais também” (Jo 14,1-3).
A meta da promessa de Jesus é a “casa do Pai”, para a qual Jesus é o caminho. É através da Pessoa de Jesus que os discípulos poderão conhecer o caminho e a meta. Para Tomé que ignora tal caminho, Jesus responde com uma grande revelação, conservada pelo evangelista João: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). O caminho para Deus Pai é originariamente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, cuja verdade é apreendida não primariamente em teorias e fórmulas conceituais, mas num relacionamento pessoal. Foi exatamente essa maneira pela qual Jesus se fez conhecer aos discípulos: não iniciando por expor doutrinas, mas atraindo-os à sua companhia, ao seu modo de viver, de amar, de sofrer e de esperar. As narrativas contidas nos evangelhos a respeito de Jesus não são apenas descrições figurativas, e sim o resultado de uma experiência nascida a partir do encontro com o Cristo.
Sim, Jesus é a revelação pessoal do Pai. Mostra isso claramente a Filipe que lhe perguntara para ver o Pai: “Mostra-nos o Pai, e isto nos basta” (Jo 14,8). Talvez Filipe, em seu entusiasmo ingênuo, esperava uma revelação do Pai da parte de Jesus ao modo das teofanias do Antigo Testamento, em que Deus se apresentava através de raios, trovões, fogo e terremoto. Não, o caminho da revelação do Pai, escolhido por Jesus, é a sua própria humanidade, iniciada na humildade da manjedoura e coroada com a ressurreição, cheia de misericórdia para com os pecadores, consoladora para os abatidos, iluminadora para os errantes, escandalosa para os orgulhosos, irreconhecível para os incrédulos, através da qual pode-se contemplar o jeito de Deus ser e trabalhar em favor do mundo.
A revelação que Jesus faz de Deus brota de sua experiência filial, de sua comunhão permanente e de sua fidelidade ao projeto do Pai. Isso nos faz entender a resposta de Jesus a Filipe: “Não acreditas que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo, mas é o Pai que, permanecendo em mim, realiza as suas obras. Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Acreditai-me, ao menos, por causa dessas mesmas obras” (Jo 10-11). Utilizando a linguagem da experiência humana, diríamos que Jesus mora no Pai e o Pai mora em Jesus, um inabita o outro, um permanece unido ao outro, e desta inabitação mútua, sempre em perfeita harmonia de vontades, Jesus leva até o fim a missão reveladora que lhe é confiada. Ou como disse um poeta a respeito do amor: “Amar é um morar no outro” (Mário Quintana). É nesta comunhão de amor e de vida plena, que circula entre o Pai e o Filho, da qual participa o Espírito Santo, que Jesus faz as obras que o Pai lhe confia e revela os ensinamentos que o Pai lhe pede. É desta comunhão que brota toda a autoridade e o conhecimento de Jesus a respeito de si mesmo, de sua missão, e o conhecimento de Deus: “Ninguém jamais viu a Deus: o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1,18).
No final do evangelho, Jesus rediz o seu propósito de partir deste mundo, porém, outra vez, consola e anima os discípulos, assegurando-os de que se tiverem fé n’Ele farão grandes obras em seu Nome: “Em verdade, em verdade eu vos digo, quem acredita em mim farás as obras que eu faço e fará obras ainda maiores do que estas, porque eu vou para o Pai” (Jo 14,12). Os discípulos são animados a continuar a missão de Jesus, e assim cooperarão, ainda que de modo misterioso, na glorificação do Pai em seu Filho.
Após a partida de Jesus, e contando com a assistência permanente do Espírito Santo, os apóstolos se dão ao trabalho de expandir e organizar a comunidade dos seguidores de Jesus, a Igreja, sem perder de vista o essencial de sua missão, que é a oração e o anúncio do evangelho. Frente às inúmeras conversões ao cristianismo, seja de judeus, seja de pagãos, seja de judeus helenizados, surge o problema do atendimento às viúvas destes últimos. Narra o livro dos Atos dos Apóstolos que os apóstolos reuniram a comunidade, rezaram invocando o Espírito, escolheram sete diáconos, sobre os quais impuseram as mãos, confiando-lhes o encargo de prestar auxílio caritativo às viúvas pobres (At 1,6-7).
Cuidar espiritualmente e materialmente da vida dos pobres, doentes e necessitados, não é algo marginal ou superficial à vida da Igreja. Os serviços de assistência social, garantidos e geridos pela sociedade civil ou mesmo pelos órgãos governamentais, nem sempre dão conta das necessidades que vão surgindo aqui e acolá. Assim como Jesus cuidou da saúde física e espiritual de tantas pessoas em seu tempo, a Igreja hoje, em fidelidade à missão recebida, não pode abdicar do cuidado da vida de quem está em necessidade. O amor a Deus se traduz no amor ao próximo, mais concretamente, no amor aos pobres. No Brasil, a primeira página da história de inúmeros municípios tem a marca da caridade da Igreja, cuja memória não pode ser esquecida!
O apóstolo Pedro, ao escrever aos cristãos, provenientes de regiões pagãs da Ásia Menor, exorta-os com a intenção de confortá-los e solidificá-los na fé. Os que foram chamados por Deus, os “eleitos”, por meio do batismo, foram introduzidos numa nova condição de vida, devem viver uma “vida santa” como convém a todo batizado, formando assim uma “nação santa”. Para isso, não devem temer Cristo, antes viver unidos entre si e com Cristo. Esta unidade é comparada a um “edifício espiritual”, que tem Cristo como a “pedra angular”, e cada um dos cristãos é “pedra viva” (1Pd 2,4-9). A Igreja é uma comunidade de pessoas, cuja ligação profunda de seus membros, não é constituída necessariamente pelos laços de sangue, mas pelos laços da fé, do amor e da esperança: “Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual Cristo é a pedra angular. Nele bem articulados, todo o edifício se ergue em santuário sagrado, no Senhor, e vós, também, nele sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus” (Ef 2,20-22).
Assim como povo de Israel era um povo consagrado para o culto e o serviço de Deus (Ex 19,5-6), também os cristãos, o novo povo de Israel, em fidelidade ao batismo, é um povo consagrado ao culto e ao serviço das coisas de Deus, prestando contas também das coisas do mundo, uma vez que o batismo consagra a Deus sem tirar o batizado do mundo em que vive. Os batizados constituem o povo que Deus “adquiriu para o seu louvor e glória” (Ef 1,14). É a vocação sacerdotal dos cristãos, dos quais se espera que a sua vida seja um ato de culto que perpetua na história, em certo sentido, a oferenda que Jesus faz de si ao Pai: “Vós sois a raça escolhida, o sacerdócio do reino, a nação santa, o povo que ele conquistou para proclamar as obras admiráveis daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1Pd 2,9).
A liturgia deste domingo renova a nossa alegria, pois experimentamos, uma vez mais, intensa e profundamente, a alegria da salvação, a nossa Páscoa. Ser um cristão que segue os caminhos trilhados por Jesus Cristo é um dom, um graça, que dinheiro algum pagará. Nem precisa esperar recompensa, pois os benefícios já estão antecipados. Frente a um mundo que oferece inúmeros caminhos, muitos dos quais levam à morte, ao extravio, à banalização da vida, ao anonimato, ao enfraquecimento dos vínculos, à perda de valores e referenciais, é preciso retornar ao caminho verdadeiro que conduz para a verdade e para a vida, cujo nome é Jesus Cristo. Num mundo de muitas incertezas, a fidelidade ao seguimento de Jesus é fonte de alegria e de certezas, ou como diz o Documento de Aparecida: “A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e oprimido pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor de Deus. Conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecida com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DA 29).
Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 19 de maio de 2011
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Conhecer a Cristo pela fé é nossa alegria;
Segui-lo é nossa graça; e
Transmitir este tesouro aos demais
é nossa tarefa.
Que o Senhor nos confiou ao nos chamar
e escolher!