“Deus ressuscitou Jesus, e disso nós somos testemunhas” (At 2,32)
III Domingo da Páscoa – Ano A
At 2,14.22-33; Sl 16 [15]; 1Pd 1,17-21; Lc 24,13-35
O tempo litúrgico da Páscoa é marcado pelo caráter festivo, em que se experimenta a alegria da ressurreição do Senhor, e se responde pela obra salvífica de Deus, exultando com a ação de graças e o Aleluia. O clima festivo, presente no coração de cada membro da assembléia litúrgica, expressa-se na gratidão pela salvação que Deus nos deu, na renovação da fé e do amor, iniciado com o dom da vida nova recebida no batismo, e também com o acendimento do círio pascal, que inunda o coração dos fiéis participantes da liturgia dominical. É o “tempo solene” da Páscoa de Jesus, que antecipa a nossa Páscoa, e que comemora a vitória de Cristo ressuscitado, sobre o poder da morte e do pecado. O Senhor está vivo e intercede junto de Deus por nós. Assim proclama o Prefácio da Missa: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Ele continua a oferecer-se pela humanidade e, junto de vós, é nosso eterno intercessor. Imolado, já não morre; e, morrendo, vive eternamente”. Serafim de Sarov, um santo da Igreja Ortodoxa, cumprimentava as pessoas que encontrava pelo caminho com estas palavras: “Minha alegria é o Cristo ressuscitado”.
Temos facilidade para pedir, para reivindicar, mas não temos a mesma facilidade para agradecer. Por vezes, centralizados demais em nosso orgulho e autossuficiência, carecemos de olhar os dons que nos são dados pelo Senhor da vida por intermédio de tantas pessoas. Diante do grandioso e do inesperado evento da ressurreição do Mestre, os apóstolos não puderam conter-se, e, com ímpeto destemido, iluminados pelo Espírito Santo, desde o dia de Pentecostes, proclamaram aos quatro ventos a grande novidade da ressurreição do Senhor.
Na primeira leitura (At 2,14.22-33), Pedro proclama diante dos céticos judeus, com voz forte, que Jesus de Nazaré, conhecido pessoalmente da parte dos ouvintes, junto com seus gestos, atitudes, milagres e exortações, não acabou no esquecimento, nem mesmo absorvido pelos meandros da história humana, mas Deus o resgatou da morte: é o kerigma cristão primitivo: “Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelo milagres, prodígios e sinais que Deus realizou por meio dele, entre vós. Tudo isso vós bem o sabeis. Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse [...]. Com efeito, Deus ressuscitou esse mesmo Jesus e disso nós somos testemunhas” (At 2,22-24.32).
O dom do Espírito Santo, em Pentecostes, ajuda os apóstolos a compreenderem o mistério que envolve a morte e a ressurreição de Jesus Cristo e a tornarem-se autênticas testemunhas. Eles entenderam que o profeta nazareno, rejeitado e ressuscitado, no mistério de sua morte e ressurreição, estava realizando as profecias das Escrituras feitas ao rei Davi, conforme o Sl 16[15], que o apóstolo Pedro proclama em tom forte: “Pois Davi dele diz: ‘Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para não vacilar. Alegrou-se por isso meu coração e exultou minha língua, e até minha carne repousará na esperança. Porque não deixará minha alma na região dos mortos nem permitirá que teu santo experimente a corrupção. Deste-me a conhecer os caminhos da vida e a tua presença me encherá de alegria’”(At 2,25-28; Sl 16[15], 8-11).
O apóstolo Pedro, discípulo da primeira hora e apóstolo do Senhor, ao escrever aos cristãos recém-batizados, convida-os a levar uma vida santa, à imitação de Deus: “Como é santo aquele que vos chamou, tornai-vos também vós santos em todo o vosso comportamento, porque está escrito: ‘Sede santos como eu sou santo’” (1Pd 1,15-16). A partir do batismo cristão, os fiéis se tornam “filhos de Deus”, por isso podem chamar com liberdade e confiança a Deus de “Pai”. E, se Deus é Pai, então convém a todos os batizados, que foram “resgatados da vida fútil [...] pelo precioso sangue de Cristo” (1Pd 1,18-19), não retornar à vida de pecado, mas instaurar relações baseadas no amor verdadeiramente fraterno. É a conseqüência do novo estado de vida que o batizado é chamado a viver, uma vez que, por força da morte e da ressurreição de Cristo da qual os batizados participam, “a vossa fé e a vossa esperança estão em Deus” (1Pd 1,21). Cristo nos abriu o caminho para Deus. Reconhecendo o seu modo de viver e o seu modo da dar a vida chegaremos a conhecer, a crer e a amar a Deus. O Deus vivo e verdadeiro é o que tirou Jesus da morte, ressuscitando-o, dando razão plena ao que fez e ensinou. A partir da ressurreição de Cristo, o caminho da fé passa pela experiência de nossa ressurreição, iniciada, ainda que na provisoriedade das coisas terrenas, desde o dia do nosso batismo: “Por ele é que alcançastes a fé em Deus” (1Pd 1,21).
O evento da ressurreição de Cristo é a grande provação da humanidade. É até fácil acreditar que o profeta nazareno morreu, pois todos os profetas morreram, mas crer que Ele ressuscitou, exige um processo de conversão e uma opção de vida. Sem fé é impossível crer na ressurreição do Senhor. O evangelho deste domingo (Lc 24,13-35), ao narrar a aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos de Emaús, quer mostrar também o processo de amadurecimento da fé dos discípulos, decepcionados pela experiência do fracasso aparente a que foram submetidos por causa da morte trágica e violenta do Mestre. Para que os discípulos se certifiquem a respeito da veracidade e do cumprimento das profecias a respeito do Filho de Deus, o próprio Jesus, agora ressuscitado, utiliza a mesma pedagogia do tempo do seu ministério, a sua presença, a instrução e os sinais de sua presença, para confirmar os discípulos na fé. Jesus caminha com os discípulos de Emaús e os lembra das profecias a seu respeito. Não os deixa na dúvida ou na incompreensão a respeito do que lhe aconteceu em Jerusalém, em cujos dias realizou o misterioso projeto de salvação de Deus: “Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devir sofrer tudo isso para entrar em sua glória?” (Lc 2425-26). A cruz não é um fim trágico, e sim o caminho aceito por Deus para a salvação da humanidade.
Em segundo lugar, o evangelho enuncia a nova forma da presença de Jesus após a sua ascensão. Cristo continuará presente na comunidade de fé através da Palavra e da Eucaristia, de modo que os discípulos não precisarão correr atrás de fenômenos extraordinários para se encontrar com o Ressuscitado. Foi exatamente esta a experiência dos discípulos de Emaús, que sentiam o coração abrasado enquanto Jesus lhes explicava as Escrituras pelo caminho, e tiveram os olhos (da fé) abertos quando viram o Senhor partir o pão: “Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus [...] Então um disse ao outro: ‘Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?’” (Lc 24,30-32). Desse modo, a nossa relação com o Senhor ressuscitado, a partir do fim do “regime de visibilidade”, inaugurado pela sua ascensão ao céu, não se realiza mais no vê-lo e tocá-lo, e sim ouvindo a sua Palavra e participando da celebração sacramental da refeição eucarística. Assim, como aos discípulos de outrora, ele continua a nos instruir com “palavras de vida eterna” e a nos alimentar com o seu corpo e sangue eucarísticos. E, ao ouvir a Palavra de Deus e ao comungar o corpo sacramental do Senhor, o discípulo experimenta um profundo sentimento de alegria e gratidão, pois cada vez que isso acontece experimenta a sua própria Páscoa. Refaz assim a mesma experiência vivida pelos discípulos de Emaús: “Não ardia o nosso coração quando ele ...?”
A ressurreição de Cristo inicia um novo tempo para a humanidade. A salvação não deve ser buscada em outra pessoa ou outro lugar, mas em Jesus Cristo. Não precisamos ter medo de Cristo, nem duvidar de que o evento da sua ressurreição é a plenitude do sentido para a história, para o mundo cósmico, e para todo o ser humano que vive na face da terra. A ressurreição de Jesus é o “sim” de Deus Pai a seu Filho, o qual, em tudo, na vida e na morte, cumpriu o seu querer. Este “sim” ressoa na vida dos seguidores de Cristo, modelando o seu modo de viver, de pensar e de agir, ou seja, todo cristão é movido pela força da morte e da ressurreição de Cristo. Cristo é nosso futuro, não há outro. Sem a ressurreição, os apóstolos teriam retornado aos mesmos afazeres que os ocupavam antes de seguir o Mestre.
O mundo em que vivemos está cheio de técnicos, especialistas e administradores para todas as áreas da vida humana. Já dos cristãos não se espera apenas a colaboração para o funcionamento do mundo em modo igualitário, fraterno e justo, mas muito mais do que isso. Espera-se destes o testemunho da ressurreição de Cristo, que é bem mais do que uma simples crença na imortalidade, e bem diferente do que a reencarnação. Não basta só informar-se para saber a respeito de Jesus Cristo para propagandeá-lo “da boca para fora”, mas é preciso segui-lo em nossas atividades concretas e espirituais. Ser testemunha da ressurreição é ser um “evangelho vivo”, desde dentro do qual brota o anseio por um mundo fraterno, justo, pacífico, sem guerra, em que a vida vence a morte. Ser testemunha da ressurreição é ser instrumento do amor e do perdão, eliminando o ódio e a violência, a raiva e a vingança. Ser testemunha da ressurreição é alimentar-se continuamente da oração e da participação na vida sacramental da Igreja e da promoção da vida dos outros.
O segundo domingo do mês de maio é dedicado às mães. A elas, a nossa homenagem sincera de gratidão e a nossa oração. É importante recordar, neste dia, a própria mãe que nos deu á luz, viva ou falecida, e a herança dela recebida, em termos de valores humanos e espirituais. Em tempos de materialismo e indiferença em relação aos mistérios da vida e às coisas de Deus, a figura da mãe tem a importante missão de despertar e salvaguardar a vida espiritual dos filhos, responsável por todas as outras dimensões da vida humana.
Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 06 de maio de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Conhecer a Cristo pela fé é nossa alegria;
Segui-lo é nossa graça; e
Transmitir este tesouro aos demais
é nossa tarefa.
Que o Senhor nos confiou ao nos chamar
e escolher!