sexta-feira, 10 de junho de 2011

Homilia dia (12/06/2011) “Todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,4)


Solenidade de Pentecostes
At 2,1-11; Sl 104(103); 1Cor 3-7.12-13; Jo 20,19-23

À medida que avançam os domingos do tempo pascal, a Igreja relembra, aprofunda e celebra os eventos que compõem a glorificação de Jesus, a saber: a morte na cruz, a ressurreição, a ascensão e o envio do Espírito Santo. E o faz com o espírito repleto de alegria e gratidão, com ação de graças e júbilo, exaltando a obra trinitária da salvação. A Páscoa do Filho Jesus e o Pentecostes do Paráclito são eventos salvíficos intimamente ligados entre si, de modo que não se pode separar a comemoração da Páscoa da comemoração do Pentecostes. Não é por acaso que o tempo pascal é considerado também “o tempo pentecostal” da Igreja, cujos domingos são celebrados “como se fossem um só dia de festa, ou melhor, ‘como um grande domingo’ (Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº 22).

Embora a celebração litúrgica deste domingo nos convide a contemplar mais os acontecimentos do “dia de Pentecostes” do que da Ressurreição, o evento de Pentecostes é, na verdade, o “coroamento”, a “plenificação” do mistério da Páscoa de Cristo, como diz o Prefácio da missa: “Para levar à plenitude os mistérios pascais, derramastes, hoje, o Espírito Santo prometido, em favor dos vossos filhos e filhas”; e também a Oração da Coleta da Missa Vespertina: “Deus eterno e todo-poderoso, quisestes que o mistério pascal se completasse durante os cinqüenta dias, até à vinda do Espírito Santo...”.

A Igreja vive de Cristo e do Espírito Santo. O Filho e o Espírito são “as duas mãos do Pai” (S. Irineu de Lyon) agindo no mundo para a nossa salvação. O Espírito, derramado em Pentecostes é “o verdadeiro fruto do mistério pascal” (Adolf Adam). O Espírito Santo conduz os cristãos ao encontro do Ressuscitado, capacita os pregoeiros do evangelho, concede dons e carismas para a edificação do Corpo de Cristo (a Igreja), de modo que, até o final dos tempos, é o Espírito Santo quem atualiza continuamente a obra e os benefícios da redenção de Cristo na vida dos cristãos.

O evento de Pentecostes situa-se no grande horizonte da unidade do plano salvífico de Deus, que é reunir a humanidade em Cristo por meio de seu Espírito; esta unidade supõe a superação do pecado e das divisões provocadas pelo pecado, restabelecendo a paz e a unidade. Neste sentido, o “acontecimento escatológico” da vinda do Espírito Santo ao mundo, realiza a profecia do Antigo Testamento (Jl 3,1-5) e a promessa de Jesus antes de retornar ao Pai: “Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito, para que convosco permaneça para sempre” (Jo 14,16; 14,26; Lc 24,19; At 1,4).

A primeira leitura, conforme ouvimos, do livro dos Atos dos Apóstolos, narra que “quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar” e, de improviso e surpreendentemente, os discípulos foram “tocados” por um vento rumoroso, seguido de línguas de fogo que pousaram sobre suas cabeças. Pervadidos pelo Espírito Santo, começaram a pregar “em outras línguas” e os ouvintes, que os residentes de Jerusalém que não falavam a língua dos judeus, que os provindos de lugares diferentes, “cada um ouvia os discípulos a falar em sua própria língua” (At 2,1-11).

De nossa parte, seria uma estreiteza de visão bíblica e teológica achar que o Espírito Santo foi dado aos discípulos de Cristo somente uma vez, lá naquele “dia de Pentecostes”. Não! Depois da ressurreição do Senhor, a vinda do Espírito é uma realidade permanente, contínua na vida da Igreja. Este “Pentecostes perpétuo” (Paul Evdokimov) não cessou, nem cessará. É por isso que a Igreja, em seus sacramentos, em sua vida de caridade, em suas orações, em suas decisões, em suas dificuldades, em suas perseguições, sempre invoca a vinda do Espírito Santo (epiclese) para a manifestação de Cristo. A Oração da Coleta pede a Deus a continuidade do evento de Pentecostes para a Igreja e para o mundo: “O Deus, que pelo mistério da festa de hoje, santificais a Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo e realizai agora, no coração dos fiéis, as maravilhas que operastes no início da pregação do evangelho”.

O evangelho deste domingo descreve a aparição de Jesus ressuscitado aos apóstolos na tarde do domingo da Páscoa (Jo 20,19-23). Diante dos temerosos apóstolos, Jesus se apresenta com os sinais da paixão (“mostrou-lhes as mãos e o lado”) e lhes dá o dom da paz: “A paz esteja convosco” (Jo 20,19.21). A paz do Ressuscitado provoca alegria no coração dos apóstolos; onde está o Senhor, aí há alegria, desaparece o medo e a tristeza. Em seguida, Jesus dá aos apóstolos o dom do Espírito Santo e o poder de perdoar, transformando-os em missionários: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,21-23). Jesus ressuscitado aparece aos discípulos não só para certificá-los de que está vivo, mas para investi-los de uma missão e revesti-los da força do Espírito Santo para continuar a sua obra, a qual, segundo o evangelista João, é tirar o pecado do mundo (Jo 1,36).

Na segunda leitura, o apóstolo Paulo coloca em evidência a atuação de Deus que gera continuamente a Igreja: Deus, por meio de seu Espírito, que derrama seus dons e carismas, realiza a unidade da fé em Cristo e a diversidade de ministérios em vista da edificação da Igreja (1Cor 12,3-7.12-13). A Igreja é continuamente edificada pela Trindade. A Igreja, em sua diversidade de ministérios, responsabilidades, serviços, pastorais, em todas as suas atividades enfim, reflete a comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Entre os muitos aspectos que a festa de Pentecostes nos convida a ressaltar, está, em primeiro lugar, o sentimento de gratidão pelo Espírito Santo, que é o Espírito do Pai e o Espírito do Filho, o qual não cessa de vir ao mundo e de acompanhar, junto com Cristo, a comunidade cristã e o cristão em particular, ontem, hoje e amanhã. A Deus, tantas vezes, só sabemos pedir, mas, quem sabe, hoje, mais do que pedir, saibamos agradecer. A súplica “Vem, Espírito Santo” parece brotar normalmente de nossos corações, mas seria ousadia dizer “Obrigado, Espírito Santo”. Escrevamos com letras maiúsculas: PENTECOSTES É, ACIMA DE TUDO, O GRANDE DOM do Cristo Ressuscitado para a Igreja, o Dom que, de muitas maneiras, a renova, nela renova-se e nela perpetua-se: “A partir de Pentecostes, a Igreja experimenta de imediato fecundas irrupções do Espírito, vitalidade divina que se expressa em diversos dons e carismas (cf. 1Cor 12,1-11) e variados ofícios que edificam a Igreja e servem à evangelização (cf 1Cor 12,28-29). Através destes dons, a Igreja propaga o ministério salvífica do Senhor até que Ele de novo se manifeste no final dos tempos (cf. 1Cor 1,6-7). O Espírito na Igreja forja missionários decididos e valentes como Pedro (cf. At 4,13) e Paulo (cf. At 13,9), indica os lugares que devem ser evangelizados e escolhe aqueles que devem fazê-lo (cf. At 13,2)” (Documento de Aparecida, nº 150).

Em segundo lugar, a festa de Pentecostes é A FESTA DA UNIDADE. O Espírito Santo é o “Espírito da Comunhão”: une as pessoas entre si e com Deus. Enquanto a Torre de Babel, produto dos esforços e ambições humanas, dividiu a humanidade desde os seus primórdios (Gn 11,1-9), o evento de Pentecostes uniu pessoas de diferentes etnias e línguas na mesma fé. A história da humanidade registra divisões de todo tipo, as quais, de tempos em tempos, acentuam-se ora mais ora menos, podendo ser de origem econômica ou social, racial ou ideológica, religiosa ou política. Não basta reconhecer que existem divisões exteriores, pois talvez as piores divisões são aquelas que habitam o nosso interior e cooperam para as divisões exteriores. Basear a busca da unidade exclusivamente no esforço humano é uma luta fadada ao fracasso, inclusive a nível intra-eclesial. Por isso, junto aos reconhecidos e sinceros esforços humanos, deve-se também pedir o dom da unidade, cujo feitor é o Espírito Santo, como bem o proclama o Prefácio da missa de hoje: “Desde o nascimento da Igreja, é ele [o Espírito Santo] quem dá a todos os povos o conhecimento do verdadeiro Deus e une, numa só fé, a diversidade de raças e línguas”. Confiemo-nos, pois, uma vez mais, ao Espírito Santo, o “Mestre invisível” que nos guia no caminho da verdade, cujo trabalho em nós é feito como que por “mãos suaves, mas firmes”.

Gostaria de terminar esta reflexão litúrgica sobre a festa de Pentecostes, transcrevendo as palavras inspiradas de um bispo da Igreja Oriental, Inácio de Latakia, proferidas na 3ª Assembléia Mundial de Igrejas, realizada em Upsala, Genebra (Suíça), em julho de 1968, quando dizia: 

Sem o Espírito Santo:
Deus está distante,
Cristo permanece no passado,
o Evangelho é letra morta,
a Igreja, uma simples organização,
a autoridade, dominação,
a missão, propaganda,
o culto, uma evocação,
o agir cristão, uma moral de escravos.

Com o Espírito Santo:
o cosmos se eleve e geme no parto do Reino,
o homem luta contra a carne,
o Cristo está presente,
o Evangelho é poder que dá vida,
a Igreja, sinal de comunhão trinitária,
a autoridade, serviço libertador,
a missão, um novo Pentecostes,
a liturgia, memorial e antecipação,
o agir humano é divinizado.

Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 09 de junho de 2011



   

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