sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Homilia dia (07.08.2011) “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo!” (Mt 14,27)

“Tende confiança, sou eu, não tenhais medo!” (Mt 14,27)

XIX Domingo do Tempo Comum – Ano A
1Rs 19a,9.11-13a; Sl 85(84); Rm 9,1-5; Mt 14,22-33

Cada vez que nos reunimos em assembléia litúrgica, comemoramos a presença de Deus no meio de nós e em nós. Lembramos os fatos salvíficos e passamos a contemplar também o espírito com o qual Deus vem até nós, por meio de sua Palavra, de seu Filho e de seu Espírito. O Deus transcendente e inacessível paradoxalmente não quer ficar longe de quem ama, ao contrário, quer ficar perto, tão perto, a ponto de querer ser nosso “hóspede”. E continua a nos falar da sua vida, do seu amor e da sua paz, como falou no passado com e por meio dos patriarcas, dos profetas e do próprio Filho, Jesus Cristo. E o nosso coração, ao ingressar no templo, se enche de uma sadia expectativa, como a do salmista: “Quero ouvir o que o Senhor irá falar: é a paz que ele vai anunciar. [...] O Senhor nos dará tudo o que é bom, à nossa terra nos dará as suas colheitas; a justiça andará na sua frente e a salvação há de seguir os passos seus” (Sl 85).

A primeira leitura (1Rs 19a,9.11-13a) narra duas experiências religiosas paradoxais do profeta Elias. Num primeiro momento, levado pela confiança e pelo zelo ao Deus único e verdadeiro, o profeta age com violência, invocando o fogo celeste e destruindo os falsos profetas no monte Carmelo (1Rs 18,20-40). Num segundo momento, cansado da violência, da perseguição sofrida e da fuga pelo deserto, refugia-se numa gruta no monte Horeb. Ali, algo inusitado lhe acontece: pensando que Deus se manifestasse por meio de sinais cósmicos de força – vento impetuoso, terremoto e fogo – como havia acontecido no passado de Israel (cf Ex 19), eis que Javé “passa” diante do profeta “no murmúrio de uma brisa suave” (1RS 19,12). A vocação profética impunha a Elias uma nova experiência: a suavidade da intimidade com o Deus ao qual servia, o que não lhe eliminava a firmeza e a dureza de suas palavras e ações proféticas. É por meio da palavra do profeta, acompanhada de ações, que Deus levará adiante o seu plano de purificação e salvação de seu povo.

O evangelho de Mateus (14,22-33) narra a travessia dos apóstolos no lago de Genesaré, logo após a multiplicação dos pães. Os apóstolos seguem sozinhos, de barco, e são surpreendidos por uma forte ventania e ondas altas que ameaçam afundar a barca. O medo toma conta deles. É nesta hora que o Filho de Deus, o Senhor do universo, “por quem e para quem foram feitas todas as coisas” (Jo 1,3), intervém, caminhando sobre as águas, fazendo cessar a ventania e serenando as águas revoltas, para serenar os apóstolos, tomados de medo. Os apóstolos, ainda incrédulos em relação ao Mestre, ao vê-lo caminhando sobre as ondas, pensam ser um fantasma, mas Jesus lhes desfaz o equívoco imediatamente e os convida à fé: “Tende confiança, sou eu, não tenhais medo” (Mt 14,26). Refeito do susto e do medo, o apóstolo Pedro quer imitar o Mestre, caminhando também sobre as águas, mas fraqueja em sua fé, e começa a afundar, merecendo a advertência do Mestre: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31). Ao testemunhar o senhorio de Jesus sobre a ventania e a água agitada, os apóstolos reconhecem a sua divindade: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus” (Mt 14,33).

Os povos antigos costumavam personificar as forças da natureza, por causa dos perigos a que os humanos eram submetidos em algumas situações. Conforme a mitologia de então, a qual parece refletir-se nas reações dos apóstolos pescadores, o mar era habitado por um monstro marinho, o Leviatã, e a tempestade representava a força do inimigo. O fato de Jesus caminhar sobre as águas  mostra então o poder divino sobre a sua criação: Deus reina sobre a terra, o mar e no fundo dos mares (Jó 9,8; 38,16; Sl 76 (77) 17-19; Is 43,16; Eclo 24,81). A barca, conforme a interpretação dos Padres, é a imagem da Igreja, ameaçada pelas forças de morte do mundo, mas que, com a presença do Senhor, navega com segurança entre águas agitadas, sem afundar.

A segunda leitura é um testemunho forte da preocupação e do amor do apóstolo Paulo  pelo povo israelita, que não acolheu Jesus Cristo e nem seu evangelho: “Tenho uma grande tristeza e uma dor incessante em meu coração” (Rm 9,2). Paulo reconhece que os judeus foram beneficiados pelo amor de predileção de Deus, aos quais concedeu muitos privilégios: “A eles pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto as promessas e também os patriarcas, e dos quais descende Cristo, segundo a carne” (Rm 9,4-5). Paulo não diz meias verdades, e ao fazer isso não exagera porque crê na salvação também dos judeus, pois a salvação foi oferecida a eles primeiramente, depois aos gentios. Tamanho é o seu amor a Israel, de quem se sabe pertencente, que não teme ser excluído da salvação, se o seu testemunho os converter: “Quisera eu mesmo ser anátema, separado de Cristo, em favor de meus irmãos, de meus parentes segundo a carne, que são os israelitas” (Rm 9, 3-4).

O testemunho da presença de Deus “no murmúrio da brisa mansa”, para o profeta Elias, e a intervenção de Jesus de acalmar as ondas do lago de Genesaré, mostram-nos a imagem de um Deus que age pela via da serenidade, e não da violência ou do extraordinário ou do medo. As idéias e as imagens que forjamos de Deus nem sempre se harmonizam com a maneira pela qual Deus se fez conhecer. As imagens de Deus, forjadas pelos interesses humanos, podem levar as pessoas à descrença e até mesmo esconder o “rosto” de Deus. A história das religiões mostra o forjamento destas imagens, feitas sob medida humana. Infelizmente, muitos ainda procuram-nO aonde não O podem encontrar. A tentação da idolatria freqüenta até mesmo o culto. A Deus não se inventa, mas se O acolhe. Não lhe apraz atemorizar – como o Leviatã - a quem escolheu como seus filhos e filhas para amar, ao contrário, como Moisés exclamou, após renovar a aliança: “Iahweh! Iahweh... Deus de compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade” (Ex 34,6). Uma religiosidade baseada em práticas mágicas e comerciais, ou uma religiosidade baseada num tipo de dependência que destrói a liberdade e a criatividade  mais afasta do que aproxima do Deus verdadeiro.

Uma imagem forjada de Deus não condiz com a serenidade produzida pela vivência da sua Palavra. O coração da oração cristã é feito pela escuta e internalização da sua Palavra, aonde as imagens são purificadas e convertidas: “Seja feita a tua vontade” (Mt 6,10). Os ecos de sua Palavra nos fazem caminhar com segurança entre os escombros do mundo, o qual se afadiga na luta entre a verdade e a mentira, entre a vida e a morte. A presença de Deus nos faz navegar com segurança nos mares revoltos da vida exterior e da vida interior, pois “Ele é a nossa Paz” (Ef 2,14). Ele é como a água que nos refresca em dia de secura, é como a brisa que cobre de serenidade os vales e as montanhas, é como o sereno que umedece e verdeja em silêncio a natureza. Sim, na provisoriedade e nas contrariedades da existência humana, marcada pelo pecado e pela graça, pelas luzes e sombras, por tempestades e calmarias, a presença de Deus nos enche de certezas e de uma alegria indizível. Que o bom Deus nos dê “um coração de filhos para alcançarmos um dia a herança prometida” (Oração do dia), e que a comunhão eucarística “nos traga a salvação e nos confirme na vossa verdade” (Oração depois da comunhão).

Frei Nedio Pertile, OFMCap.
Cuiabá, 02 de agosto de 2011

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