sábado, 20 de novembro de 2010

HOMILIA DIA 21/11/2010 "SOLENIDADE DO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO"



2Sm 5,1-3; Sl 122; Cl 1,12-20; Lc 23,35-43

Encerramos, hoje, o ano liturgico, com a solenidade de “Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo”. No próximo domingo, já será tempo do Advento, início do novo ano da Igreja. A festividade de Cristo Rei, colocada no último domingo do tempo comum, quer lembrar-nos, a modo de condensação e recapitulação ,o que vimos ao longo do ano, que é  o primado de Cristo na ordem da criação e da redenção. Ou seja, o mundo cósmico, o tempo e a história da humanidade tem no senhorio e na realeza de Jesus o ponto de convergência e de irradiação. Não existe outra origem e meta para o mundo, a história e o tempo senão Jesus Cristo, o sentido definitivo de tudo o que existe, “pois por causa dele foram criadas todas as coisas no céu e na terra (...). Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm nele a sua consistência” (Cl 1,16-17).

Toda celebração dominical é uma confissão de fé no senhorio de Jesus, pois todo domingo é “dia do Senhor”. Contudo, a festa de Cristo Rei, de data recente na história da Igreja Católica (Pio XI a instituiu em 1925), foi colocada no final do ano litúrgico para nos lembrar outra coisa: o nosso caminhar em direção ao reinado definitivo e futuro de Cristo, que é a vida eterna. Há poucos dias atrás, rezávamos pelos mortos e lembrávamos a brevidade de nossa vida e que, neste mundo, tudo passa. Em seguida, recordávamos a memória de todos os santos e santas, e refletíamos sobre a nossa vocação à santidade. No domingo passado, refletíamos sobre o juízo de Deus no final dos tempos. É importante estarmos cientes de que o tempo de agora é o espaço que Deus nos dá para nos unirmos à pessoa e à missão do Cristo nazareno e glorificado, de modo a já antecipar o seu reino de vida plena, ainda neste mundo, ainda que de forma provisória: “Jesus Cristo é o mesmo, hoje, amanhã e todos os séculos” (Hb 13,8); Ele é “o Alfa e Ômega, o Princípio e o Fim” (Ap. 22,13).

A celebração litúrgica deste domingo convida-nos a levantar os olhos, como diz a antífona de entrada da missa, ao “Cordeiro imolado”, no qual reside “o poder, a divindade, a sabedoria, a força, a honra e a glória por todos os séculos” (Ap 5,12;1,6). Ao evocar esse mistério cristológico, o Concílio Vaticano II, diz: “O Senhor é o fim da história humana, ponto ao qual convergem todas as aspirações da história e da civilização, centro da humanidade, alegria de todos os corações e plenitude de todos os desejos. (...). Vivificados e congregados em seu Espírito, caminhamos para a consumação da história humana, que concorda plenamente com o seu desígnio de amor: ‘Reunir todas as coisas em Cristo, as que estão no céu e as que estão na terra’ (Ef 1,10)” (Gaudium et spes, nº 45).

É possível que a festa de Cristo Rei não repercuta bem em nossos corações, haja vista o desvirtuamento do exercício do poder por parte de grande número de reis e líderes, como registra a história humana. O próprio Jesus, em se tratando de exercício do poder, alertou aos discípulos: “Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim...” (Mc 10,42-43). O que significa confessar que “Jesus Cristo é rei do universo”? Em que consiste a realeza e o senhorio de Cristo? O título cristológico – Cristo Rei - parece ser problemático. Num mundo que tende a viver sem Deus, que patrocina a “cultura de morte”, que se satisfaz com o consumo desenfreado e irresponsável, que sentido tem dizer que “Jesus é Rei”? Rei de quem? De seu lado, a mídia, avarenta de ídolos, insiste em criar continuamente os novos “reis” e “rainhas” (“rei do gado”, “rei da soja”, “rei dos gramados”, “rei da bola”, “rei do rádio”, “rei do crime”, “rei da droga”, “rei da pizza”, “rei do funk”, etc). Reis para todos os gostos.

Não podemos imaginar o reinado de Jesus conforme os modelos forjados pela história humana. O seu reinado é diferente, e só pode ser compreendido a partir do exemplo do próprio Jesus, que se esvaziou de sua divindade, assumindo a fidelidade à condição humana, menos o pecado, até à morte (Fl 2,6-8). Jesus é Rei porque passou a vida servindo, “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38). Durante a paixão, e frente a Pilatos, que lhe perguntou: “És o rei dos judeus?”, Jesus o confirmiu, mas advertiu: “Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui (...) Para isso nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,36-37).

O evangelho deste domingo (Lc 23,35-43) narra inicialmente o desprezo e o escárnio dos líderes judeus, dos soldados que o crucificaram e do “mau ladrão” pelo aparente fracasso de um reinado esperado e confundido com expectativas demasiado humanas, do qual Jesus foi vítima; “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23,39) Jesus encerrou a trajetória de sua vida terrena numa cruz. Paradoxalmente, ali também é lugar do seu reinado de amor sem limites, que transborda em perdão aos pecadores. A cruz foi o trono que a cegueira humana reservou para o Rei messiânico, o enviado de Deus, e não um palácio real com trono revestido de ouro. A Ele foi dada não a coroa régia dos vencedores, mas uma coroa de espinhos para agudizar os sofrimentos atrozes. E, ironicamente, acima de sua cabeça, afixada na cruz, foi colocada a inscrição: “Jesus de Nazaré, rei dos judeus” (Jo 19,19). Mas o evangelho também narra a profissão de fé do “bom ladrão”, que reconhece o reinado Jesus: “Lembra-te de mim, quando vieres com teu reino” (Lc 23,42), ao qual Jesus garante o ingresso no paraíso. 

Jesus Cristo veio ao mundo para reconciliar a humanidade com Deus, e mostrar-lhe o caminho para Deus. Por isso, veio procurar e salvar os perdidos, os doentes, os feridos, os pobres, os excluídos e os indefesos. Ele deu a vida por todos: “Ele nos libertou das trevas e nos recebeu no reino do seu Filho bem amado, por quem temos a redençao, o perdão dos pecados (...). Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude, e por ele reconciliar consigo todos os seus (...) realizando a paz pelo sangue na cruz” (Col 1,13.19-20).

O reinado de Jesus é um reinado de serviço: “Aquele que dentre vós quiser ser grande, seja vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos, pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,43-45). Ele mesmo deu o exemplo, durante a Última Ceia, quando lavou os pés dos apóstolos, e, com a autoridade de um verdadeiro Mestre, pediu que eles fizessem a mesma coisa entre eles: “Compreendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais. Em verdade, em verdade, vos digno: o servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou. Se compreenderdes isso e o praticardes, felizes sereis” (Jo 13,12-17).

O exercício do poder da parte de Jesus  não é o do poder despótico, arbitrário, mas o dom de si mesmo para o serviço de resgate do pecado e da morte. É o serviço para o amor e o sacrifício. É um dom que capacita a amar sem limites e a promover a vida, especialmente dos que mais a precisam. É um poder transformado em serviço em favor da dignidade humana e da reconciliação com Deus.

Participar do senhorio de Jesus implica ter as mesmas atitudes e sentimentos d’Ele, para continuar a sua missão de instaurar o reinado de Deus na face da terra. Trata-se de “um reino eterno e universal: reindo da verdade e da vida, da santidade e da graça, da justiça, do amor e da paz”, como diz o Prefácio da Prece Eucarística. Este reino é dom, mas também compromisso de todos os discípulos missionários, ao quais Jesus ensinou a suplicar: “Venha o teu Reino” (Mt 6,10)

Jesus é o Rei que nos convida a segui-lO não pelo caminho do domínio, mas do serviço, não pelo caminho da glória e da honra, mas da humildade, não pelo caminho do sucesso, mas da fidelidade, não pelo caminho da apropriação, mas da doação, não pelo caminho da concorrência, mas da parceria, não pelo caminho da passividade, mas do comprometimento, não pelo caminho do triunfalismo, mas da cruz, não pelo caminho da escravidão e do servilismo, mas da liberdade e amizade, não pelo caminho da indiferença, mas da admiração, não pelo caminho da aprovação pública, mas do esvaziamento: “Fiel é esta palavra: Se com ele morreremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos” (2Tm 2,11).

Celebramos, hoje, o Dia Nacional do Leigo. É uma ocasião muito oportuna para lembrar que os fiéis leigos, a partir do seu batismo, são convidados a ser “sal da terra” e “luz do mundo” (cf. Mt 5,13-14), fermento de transformação, “protagonistas da evangelização” (S. Domingo), “discípulos e missionários” de Cristo (Doc. Aparecida) através de sua presença, de seu testemunho e de suas atividades em todas as realidades humanas.  A participação dos leigos no reinado de Cristo compromete a sua existência em todos as suas dimensões, desde a vida privada familiar, passando pela vida social e eclesial, até no plano internacional. Os leigos são “homens da Igreja no coração humano e homens do mundo no coração da Igreja” (Documento de Puebla, nº 786).

Ao finalizar esta reflexão, voltemos o nosso olhar para Jesus Cristo, que se fez um de nós, passou pela cruz e, agora, reina glorioso na eternidade, intercedendo pela humanidade. Proclamemos, uma vez mais, a antífona de entrada da missa: “O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a dignidade, a sabedoria, a força e a honra. A ele glória e poder através dos séculos” (Ap 5,12;1,6).

Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 19 de novembro de 2010

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