A GLÓRIA DE JESUS CRISTO SOB O MANTO DA HUMILDADE
Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor
Mt 21,1-11; Is 50,4-7; Fl 2,6-11; Mt 27,11-54
Seguimos Jesus na vida, na morte e na ressurreição! É com este espírito que a liturgia do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor nos faz reviver, contemplar e comemorar os momentos reveladores finais do ministério do Filho de Deus, desde a entrada triunfante em Jerusalém, a condenação e morte, a ressurreição, até sua exaltação junto de Deus. Fiel à missão salvífica que o Pai lhe confiou, o nosso Redentor entrega-se livremente aos poderes do mundo e morre, mas Deus Pai, na força de seu Espírito, tira-o da morte ressuscitando-o, exaltando-o à sua direita e declarando-o Senhor de toda a criação. Sofrimento e glória, esvaziamento e exaltação: duas faces de um único mistério, revividos e celebrados pela liturgia deste domingo.
A segunda leitura (Fl 2,6-11) é provavelmente o primeiro hino cristológico conhecido. Resume concisamente, num primeiro instante (vv. 6-8), o mistério da descida do Filho de Deus – o esvaziamento de sua divindade, a humilhação e a aniquilamento a que se submeteu- , e num segundo instante (vv. 9-11), a sua glorificação e exaltação junto de Deus:
“Jesus Cristo, existindo em condição divina (...) esvaziou-se a si mesmo,
assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens.
Encontrado em aspecto humano, humilhou-se a si mesmo,
fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz.
Por isso, Deus o exaltou acima de tudo
e lhe deu o nome que está acima de todo nome.
Assim ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra
e toda língua proclame: ‘Jesus Cristo é Senhor’, para a glória de Deus Pai” (Fl 2,6-11).
Neste mistério de descida-subida do Filho de Deus, desvela-se o amor gratuito, ilimitado e incondicional com o qual Deus amou a humanidade: assumindo a integridade da condição humana, menos o pecado, o Filho percorreu com fidelidade as vicissitudes da condição humana até o extremo da morte – nada neste mundo lhe foi estranho -, mas também o caminho da subida para Deus, mediante a ressurreição, em obediência ao plano salvífico do Pai, como dizem as orações da missa de hoje: “(...) para dar-nos um exemplo de humildade, quisestes que o nosso Salvador se fizesse homem e morresse na cruz. Concedei-nos aprender o ensinamento de sua paixão e ressuscitar com ele em sua glória” (Oração do dia ou Coleta); “Inocente, Jesus quis sofrer pelos pecadores. Santíssimo, quis ser condenado a morrer pelos criminosos. Sua morte apagou nossos pecados. E sua ressurreição nos trouxe vida nova” (Prefácio da missa).
Iniciamos a liturgia deste domingo com a bênção e a procissão dos ramos, um costume cristão que remonta as suas origens ao século V, entre os cristãos de Jerusalém, e que mais tarde se esparramou pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente. Seguindo os passos de nosso Redentor, comemoramos o seu ingresso festivo em Jerusalém logo antes de sua paixão. Não fizemos uma simples representação teatralizada de um fato histórico, mas muito mais do que isso, uma proclamação pública da fé cristã, uma demonstração visível fora do templo, de nosso seguimento a Cristo: porque amamos nosso Salvador, quisemos seguir seus passos na vida e também na morte. É com este espírito que, antes de iniciar a procissão dos ramos, o sacerdote exortou à comunidade: “Celebrando com fé e piedade a memória dessa entrada, sigamos os passos de nosso Salvador, para que, associados pela graça à sua cruz, participemos de sua ressurreição e de sua vida”. Durante a procissão, trouxemos em nossas mãos erguidas, ramos de palmeiras, arbustos e plantas medicinais, com os quais homenageamos nosso Rei, Jesus Cristo. Uma justa homenagem em sinal da vitória sobre o pecado e a morte de Quem serviu e se doou por amor até o fim. E o fizemos, através do memorial litúrgico, associando-nos à multidão que aclamou efusivamente a sua chegada em Jerusalém.
A entrada de Jesus em Jerusalém, montado num jumentinho, é narrada pelo primeiro evangelho deste domingo (Mt 21-1-1). Aproximava-se a festa da Páscoa, por isso muitos judeus estavam a caminho de Jerusalém. É esta multidão que se alegra e aclama porque sabe que Jesus de Nazaré está cumprindo profecias, confirmando que Ele é o profeta (Dt 18,17-18) e o “rei messiânico” tão esperado, sob o manto da humildade, da pobreza e da paz: “Eis que o rei vem a ti, manso e montado em um jumento, em um jumentinho, filho de uma jumenta” (Mt 21,5; Is 62,11 e Zc 9,9). Ao colocar as suas vestes sobre o jumento para que Jesus pudesse sentar, visto que o animal não tinha sela porque nunca havia sido montado, os discípulos fazem um gesto de reconhecimento da majestade de Jesus, realizando o que fora prefigurado no Antigo Testamento (2Rs 9,13). É uma das poucas passagens em que se ressalta a glória de Jesus já reconhecida na terra: “A numerosa multidão estendeu suas vestes pelo caminho enquanto outros cortavam ramos das árvores e as espalhavam pelo caminho. As multidões que iam na frente de Jesus e os que o seguiam, gritavam: ‘Hosana ao Filho de Davi. Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto do céu!” (Mt 21-8-9).
A majestade e a glória de Jesus, no entanto, não é um escondimento e nem a eliminação do sofrimento pelo qual passou antes de ser exaltado. A liturgia nos faz contemplar e reviver dois momentos de nosso Salvador, momentos intrinsecamente unidos de um único mistério: Ele foi aclamado, mas depois rejeitado; sofreu, e depois foi exaltado, abandonado, e depois foi entronizado. Ao narrar a Paixão de Senhor, o evangelho de Mateus (27,11-54) mostra Jesus sereno, como quem se confia inteiramente ao Pai, sendo condenado e trocado por um rebelde (Barrabás). Jesus revive a tragédia humana da rejeição da verdade e do bem, prefigurada na figura do justo perseguido que se confia inteiramente a Deus (Is 50,4-7) e, que salva através da entrega e si e do sofrimento. Não pelo sofrimento da resignação ou da ignorância, mas pelo sofrimento da obediência. Desse modo, Jesus torna-se exemplo para todo cristão: “Meu Pai (...) seja feita a tua vontade” (Mt 26,27). Jesus cumpre o plano do Pai em atitude de liberdade, mesmo à custa do sofrimento e da perseguição; entrega-se por nós soberanamente, qual rei libertador e doador da vida, sofrendo a morte mais verdadeira que aconteceu na face da terra, autenticada pelo próprio Deus, através da qual instituiu uma nova aliança em seu sangue, e por meio da qual instaurou a reconciliação universal.
Para nos salvar, Deus não escolheu o caminho da força, mas do serviço, do sofrimento e do amor, como havia profetizado Isaías a respeito do Servo Sofredor: “O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás. Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas” (Is 50,5-6). Os sofrimentos do Servo Sofredor se realizam em Jesus, mostram o “preço” (custo) da pedagogia divina para nos salvar. É difícil compreender esta pedagogia, sobretudo em tempos, como o nosso, em que o serviço tende a ser remunerado, o sofrimento tende a ser negado e o amor tende a ser comercializado.
Com a celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, iniciamos a Semana Santa. Semana decisiva e propícia, “tempo de graça e de salvação”, para intensificar a nossa conversão e o nosso seguimento Àquele que nos amou até o fim, através da confissão, do silêncio meditativo e contemplativo e da participação ativa nas cerimônias litúrgicas. A liturgia é um dos lugares privilegiados de encontro com Jesus Cristo: “Encontramos Jesus Cristo, de modo admirável na liturgia. Ao vivê-la, celebrando o mistério pascal, os discípulos de Cristo penetram mais nos mistérios do Reino e expressam de modo sacramental sua vocação de discípulos e missionários” (Documento de Aparecida, nº 250).
Reacendamos em nós o desejo e o propósito de seguir os passos de nosso Redentor, pois “se com Ele morrermos, com Ele viveremos” (Rm 6,8). Não façamos das celebrações da Semana Santa espetáculos ou representações teatrais apenas, mas atravessemos a superfície da dimensão estética das apresentações, para penetrar no mistério que é ali evocado para a nossa fé. E rezemos com fervor, para vivermos com fidelidade e intensamente, em nossa vida cotidiana, o caminho da cruz que leva à ressurreição, e assim nos unirmos cada vez mais ao nosso Salvador.
Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 12 de abril de 2011
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