Sal da terra e luz do mundo
V Domingo do Tempo Comum
Is 58,7-10; Sl 112; ICor 2,1-5; Mt 5,13-16
Estamos habituados à luz. Ele é fundamental para quase tudo o que fazemos. A luz do sol clareia o dia, as paisagens, as estradas, os rios, as matas, o mar, as nossas casas, por dentro e por fora. O que aconteceria se o sol não despontasse pela manhã? Toda a face da terra ficaria na escuridão pelo imenso apagão do sol. Imaginem caminhar por uma estrada do interior em plena escuridão! Ficamos inseguros e com medo, porque não sabemos onde pisar e nem o que poderemos encontrar no lugar aonde apoiaremos os pés. E não só a luz do sol, mas também a luz da energia elétrica se tornou necessária para as atividades que desempenhamos e para os utensílios eletroeletrônicos que fazem parte do dia a dia. Se faltar a luz elétrica, ficamos incomodados. Parece até que criamos, em casa, nos escritórios, nas lojas, nos templos e em praticamente todos os ambientes habitados, o que se poderia chamar de dependência da energia elétrica.
O valor da luz física do sol e da energia elétrica serve para compreender o valor da luz da fé. Sem a luz de Deus, o mundo ficaria envolto nas trevas do erro, do pecado, da ignorância, e do desespero. Precisamos da luz divina para guiar a nossa vida cristã da mesma maneira que precisamos das luzes físicas provindas de várias fontes da natureza para ver as pessoas, para nos deslocar de um lado a outro, para executar atividades e para fazer funcionar aparelhos ligados à nossa sobrevivência. A luz de baixo me leva á luz do alto, a luz de fora me faz entender a luz de dentro. Uma coisa é a lâmpada da cozinha, outra coisa é o olhar iluminador de um cristão.
Olhando para a imensa multidão que o procurava, lá do alto do monte, Jesus confiou-lhes uma grande responsabilidade: “Vós sois o sal da terra”... “vós sois a luz do mundo”...“brilhe a vossa luz diante dos homens , para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,13-16). O jeito concreto de ser sal e luz é pelo nosso testemunho, pelas nossas boas obras.
O autor do terceiro livro do profeta Isaías descreve a árdua missão do profeta: ele deve iluminar, com a Palavra de Deus, a vida de seu povo. No ano de 537, no retorno do exílio babilônico para a pátria palestinense, o povo de Deus reiniciou a reconstrução do próprio país, mas os empreendimentos não deslancharam como era esperado, mesmo com invocações a Deus, jejuns e outras práticas religiosas. O profeta vai, então, à raiz do problema: é impossível alcançar o bem maior, o bem de todos, somente com exercícios de piedade e de penitência, pois enquanto não se praticarem os mandamentos fundamentais da justiça social e do amor ao próximo, as coisas esperadas não acontecerão. Para consertar o país destroçado pelo exílio, o profeta adverte para a partilha do pão com os famintos, a acolhida aos pobres, peregrinos e indigentes, o vestir os nus e o acabar com os meios de opressão e os comportamentos de autoritarismo, bem como com a linguagem maliciosa. É impossível agradar a Deus e renovar a realidade sem arrancar do coração humano o egoísmo, a indiferença, o orgulho e a arrogância. É impossível agradar a Deus sem mudar as atitudes e os comportamentos que ferem a dignidade dos outros e que favorecem para a manutenção de uma sociedade iníqua. Quando houver a conversão do coração e a prática concreta do amor fraterno, então, sim, haverá diálogo com Deus – “Então invocarás o Senhor e ele te atenderá, pedirás socorro e ele te dirá: ‘Eis-me aqui!’” (Is 58,9); e haverá também qualidade de vida, pois “a tua saúde há de recuperar-se mais depressa” (Is 58,8). A conversão do coração, a prática dos mandamentos da caridade fraterna e o culto que brota de um coração convertido: tudo isso nos torna luzes para iluminar a vida das pessoas: “Então brilhará a tua luz como a aurora ... e a glória do Senhor te seguirá... nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia” (Is 58,8.10).
Os seguidores de Jesus são aqueles que ouvem a sua palavra, a memorizam e a praticam. Antes de confiar a responsabilidade de serem sal e luz, Jesus havia mostrado em que mesmo consiste a felicidade da vida cristã: a pobreza em espírito, a pureza de coração, a paz, a mansidão, a justiça, a misericórdia, a confiança em Deus, e até a perseguição. Tudo isso é uma jeito radical de viver o mandamento do amor a Deus e ao próximo. Viver as bem-aventuranças é ser “sal da terra”, é ser “luz do mundo”. É esta luz de um testemunho, que brota do cumprimento das bem-aventuranças, que deve brilhar no rosto dos cristãos. É este o sal que deve dar gosto, sabor, à vida do mundo, tirando-o das trevas: o gosto pelas coisas de Deus e o gosto pela dignidade humana, especialmente a das pessoas mais necessitadas, as pequenas, as frágeis, as que vivem expostas à maldade ou indiferença dos outros.
Muitos poderão achar que o que pode dar sabor, sentido e colorido à vida seja o prazer, o luxo, outros pensam que é o progresso, a cultura, a arte e a filosofia. E, de fato, muitos procuram dar sentido e embelezar a vida a seu modo, empenhando seus recursos e capacidades. No, entanto, o que realmente dá sentido à vida (o que a salga e a ilumina) é o amor. Sem amor, não dá para viver. O que pode acontecer com uma pessoa que não ama? A vida dela vai, aos poucos, perdendo o sentido, ela se isola, e começam a aparecer doenças, falta de motivações, perde o encanto de fazer aquelas coisas que antes fazia com tanto gosto. A falta de amor não estaria na origem de algumas doenças pessoais e sociais? A falta de amor não estaria na origem do surgimento da violência, da depravação moral de nosso tempo, do desmantelamento das famílias e na perda de Deus?
Hoje, a palavra amor está rodeada de confusão e mal-entendidos, por isso vem sendo usada de maneira abusiva e inadequada. O que dissemos no parágrafo acima não é de qualquer tipo de amor. Estamos falando do verdadeiro amor, primeiramente o amor a Deus; alimentamos esse amor com a oração, a liturgia, o respeito aos mandamentos, mas principalmente com o querer sempre fazer a vontade d’Ele; se amamos Deus desse jeito, seremos suas testemunhas, então a nossa vida será luz que ilumina e sal que dá gosto para a vida dos outros. E, em segundo lugar, unido ao amor a Deus, estamos falando do amor às pessoas, ao amor ao próximo, especialmente aos mais necessitados, aos mais sofridos. Esse amor verdadeiro exige de nossa parte a doação, o serviço, o carinho, a ternura, a paciência, e, em algumas ocasiões, atitudes de exigência e vigilância: “Quem não vive para servir, não serve para viver”.
É a força do amor que pode mudar o mundo. Muita gente pensa que o mundo muda através do poder do dinheiro, do poder das ciências, do poder da guerra, do poder da política. Diz o provérbio popular que “quem não estima o pequeno, não merece o grande”. E outro provérbio africano diz o seguinte: “Pessoas pequenas, fazendo coisas pequenas, em lugares pequenos, mudarão o mundo”. Para transformar o mundo, Deus escolheu o poder dos pequenos e humildes. A via de Deus é a da solidariedade e da partilha, a via da compaixão e da cruz. O apóstolo Paulo evangelizou a comunidade de Corinto não através de um discurso inflamado com técnicas de oratória, mas com a força da cruz de nosso Senhor: “Quando fui à vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana.... para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus” (Segunda Leitura).
À medida que dermos o testemunho do amor a Deus e aos pequenos, vai aparecendo em nós uma luz que brilha, que aquece, que ilumina. Então, a palavra de Jesus se torna verdadeira para nós: “Brilhe a vossa luz diante dos homens para que vejam as boas obras e louvem o vosso Pai que está no céu” (Mt 5,16).
Frei Nedio Pertile
Cuiabá, 05 de fevereiro de 2011
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